Excerto do Caderno Velado de Observações da Ordem de Mariz
- Guardado na biblioteca Oculta da Ordem.
Sobre o caso de Eduardo de Montemor, que foi acrescentado ao Caderno Velado e mantido em segredo, até hoje.
Relatado por um Irmão que, após encontrar documentos de extrema gravidade e, temendo o poder das revelações ali contidas, fez chegar a informação aos meios próprios, aqueles que se dedicam à revelação da verdade, com base na existência e nas implicações desse conhecimento.
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1899
"Pela presente, e em conformidade com deliberação tomada em sede da Assembleia Velada da nossa veneranda Ordem de Mariz, communica-se o seguinte:
Após leitura atenta e discussão reservada do relatorio elaborado pelo nosso estimado Irmão José de Alteia, Pesquisador-mór da Ordem, relativamente aos phenomenos observados nos alcantis de Cintra, e em particular aos factos que envolvem a extincta Quinta de Montemor e os seus antigos proprietarios, deliberou-se a redacção do presente aviso, destinado a todos quantos, movidos por zelo ou curiosidade, venham a solicitar acesso ao referido documento.
É intento desta Augusta Assembleia advertir para a eventualidade de que o conteúdo alli contido — de índole perturbadora e espiritualmente densa — possa gerar, entre os nossos Irmãos, hum estado de inquietação tão agudo que desperte desejos vehementes de esclarecimento, os quaes, se não forem devidamente orientados, poderão precipitar-se em extravio irreparavel.
Cumpre recordar que, hum anno após o mysterioso desaparecimento do Senhor Eduardo de Montemor, ultimo habitante do Palacio que perpetua o seu nome, o Irmão José de Alteia empreendeu, com reverencia e sacrificio pessoal, huma investigação profunda que culminou, tambem ella, no seu proprio e enigmatico desaparecimento. Tal facto ocorreu na sequencia da analyse de documentos que, segundo o seu proprio testemunho, comprovavam a veracidade dos successos que sobrevieram ao grande incendio — catástrophe que selou o fim da Casa de Montemor e da sua influencia benfazeja sobre o povo de Cintra.
Por conseguinte, e em nome da preservação da Ordem e da sanidade espiritual dos seus membros, declara-se que tudo quanto se contém no documento annexado deverá permanecer occulto, perpetuamente, nas sombras da Bibliotheca Oculta da Ordem.
A consulta do conteúdo requererá autorização expressa da Augusta Assembleia Velada da Ordem de Mariz, devendo esta ser solicitada, com o devido grau de solenidade, pureza de coração e recta intenção, perante a mesma Assembleia, atravéz de supplica escripta, firmada pela propria mão do supplicante, em que se manifeste necessidade authentica, vehemente e espiritualmente justificada.
O Presidente-Mór
Aos idos dias de Setembro, no anno da Graça de 1899
Assembleia Velada da Ordem de Mariz"
Transcripção fiel do relatorio manuscripto lavrado pelo honorável Irmão José de Alteia, Pesquisador-mór do Occulto da Augusta Ordem de Mariz, ao qual deu o nome — por sua propria penna assinalado — de "O Senhor das Bonecas", ora incorporado ao Caderno Velado de Observações, no decurso das investigações respeitantes ao obscuro caso de Eduardo de Montemor.
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Sobre Eduardo de Montemor — Relato e Advertência
Offício reservado á Assembleia Velada da Augusta Ordem de Mariz
José de Alteia, Investigador-mór do Oculto da Augusta Ordem de Mariz, no anno de 1899
Venerandos Irmãos,
Cumpre-me o doloroso dever de, pela presente, dar-vos conta do resultado das investigações a que, por mandado superior, me entreguei, acerca da vida e do misterioso desaparecimento de Eduardo de Montemor, em Cintra.
O nome de Eduardo, ainda hoje murmurado entre os cintrenses, acha-se envolto em um nevoeiro de lembranças e receios, do qual é difícil discernir os contornos exactos. Homem de vastíssima erudição e de trato açucarado, era, contudo, de uma introspecção devoradora e melancólica, que a poucos se revelava. A sua ligação às esferas mais elevadas do Reino, nomeadamente Sua Magestade El-Rei, permitiu-lhe colaborar discretamente nos projectos de iconographia e mythologia do Palácio da Penna, onde, semeando symbolos antigos sob a capa da fantasia romântica, perpetuava no mundo visível a sua busca pela eternidade.
Se para o vulgo se afigurava apenas um excêntrico aristocrata, para nós — atentos ao murmúrio subterrâneo das cousas — é patente que, sob os fastos do saber e da arte, Eduardo ocultava estudos mais temerários: os de moldar a essencia da vida, a denso segredo da alma, atravez de caminhos interditos ao comum dos mortaes.
Dizem que a semente desta sua derivação mais sombria germinou no ápice da dor: um incendio terrível, ocorrido em meados da década de 80, ceifou-lhe toda a família numa casa de estio, distante do Palácio. Essa tragédia — que não tocou as paredes da sua morada principal — despedaçou-lhe o espírito. Desde então, Eduardo cerraria para sempre as portas da alma humana, escolhendo como mestres apenas o Silencio, o Abysmo e os Antigos Caminhos.
As investigações que levei a effeito, e que me obrigaram a ingressar no outrora faustoso Palácio, revelaram indícios perturbadores. Forçado pela recusa dos criados, procurei outra entrada e, ao redor da colina, achei uma porta esquecida, fundida com a própria penedia. Assaz enferrujada, cedia ainda sob firme empurro.
Não revelarei neste offício, por razões de salvaguarda, a exacta disposição dos corredores e estancias subterrâneas à qual acedi. Mas posso afirmar, sob o peso da minha honradez, que os espíritos mais forjados na Vigília estremeceriam ante o que se inscrevia nas paredes — não em tinta, mas em substancia de natureza duvidosa.
Nessas catacumbas, Eduardo acolhera entre as trevas pequenos círculos de iniciados, vindos de terras longínquas: de Paris, de Viena, de Praga... E, dizem rumores só confidenciados em ceias de vígilia, que nem todos os que entravam naquelas reuniões voltavam a ver a luz da superficie.
Achei também, em local que prefiro não nomear, o manuscripto do próprio Eduardo: um Diario que é mais confissão que narrativa, e mais sortilégio que confissão. Dele, li quanto pude, mas a medida que as linhas se me gravavam no entendimento, o entendimento desertava-me.
Confesso, venerandos Irmãos, que desabei em cansaço de alma e corpo; que despertei mais tarde, à entrada do Palácio, sem memoria exacta do meu trajecto.
É mister advertir: nem o Palácio, nem as passagens, nem o manuscripto devem ser profanados outra vez. A Natureza começou o lento processo de retomar as suas formas, mas nem todas as raizes sabem o que soterram.
Não hei por em vão estas palavras:
"O homem é um abysmo, e o seu olhar, quando se volve para dentro, não encontra fundo."
Aos irmãos da Ordem:
Peço vigilância.
Não permittais que os túneis sejam reabertos.
Se ouvirdes bonecas a chorar, fechai os ouvidos.
Se virdes creanças sem sombra, olhai para o chão e caminhai.
E se alguém vos disser que sonhou com o Tritão da Porta dos Coraes...
...afastai-vos. Lentamente.
Porque embora o espírito de Eduardo...
Porque há sonhos que não são sonhos — são convites.
Há convites que, uma vez acceites, jamais se recusam.
E há silencios que ainda escutam.
Há silencios que guardam a fórma exacta do grito.
Silencios que aprendem a esperar.
E que, quando enfim fallam... já não o fazem com voz humana.
Sim, há silencios que ainda escutam...
...que ainda escutam.
José de Alteia
Pesquisador-Mor da Ordem de Mariz, Cintra, Janeiro de 1899
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Finais do inverno de 2025, Sintra.
Ninguém se lembra exactamente de quem teve a ideia. Talvez tenha sido o Martim — sempre com aquele sorriso de quem nunca cresceu — a propor “explorar lendas reais” como se fossem apenas mais uma série para o canal obscuro que mantinha na web.
Tinham alugado uma casa antiga, encostada a um dos vales mais fechados da Serra de Sintra, para passarem ali uns dias — um retiro improvisado, longe do ruído constante de Lisboa e dos seus tuk-tuks desgovernados. A casa, de pedra gasta, janelas estreitas e um alpendre coberto de hera, parecia esquecida no tempo. Mas era a névoa que lhe dava alma. Espessa e persistente, nunca se dissipava completamente. Descia ao amanhecer, enchia o vale à noite, envolvia os telhados, esgueirava-se pelas frinchas das janelas. Tinha um peso estranho, como se carregasse memórias. Como se soubesse mais do que deixava transparecer…
Lá fora, tudo permanecia oculto, como se o mundo tivesse deixado de existir para além da casa. No alpendre de madeira, o grupo reunia-se em silêncio, cada um agarrado à sua chávena de café, como se o calor nas mãos fosse a única certeza naquela manhã fria de fim de inverno. Os olhos, vagos, perdiam-se numa paisagem que não mostrava nada — e talvez por isso mesmo, sugerisse tudo. Clara folheava jornais antigos, desenterrados de uma estante esquecida; as páginas, frágeis e amareladas, estalavam sob os seus dedos, como se protestassem contra o toque. A cada virar de folha, algo no ar parecia suster-se por um instante — uma pausa imperceptível, como a antecipação de um sussurro que nunca chegava a ser ouvido.
Foi então, nesse instante suspenso entre o fim do sono e o princípio incerto do dia, que Martim — sempre curioso, com aquele brilho nos olhos de quem procura sinais onde os outros só vêem silêncio — decidiu falar. Sem aviso, a sua voz cortou a quietude, quase em sussurro, como se temesse despertar algo adormecido. Evocou uma lenda local, antiga e empoeirada, retirada das suas investigações nocturnas, e partilhou-a como quem desfia um segredo que o tempo tentou apagar… mas que nunca desapareceu por completo.
— Frei Honório — disse Martim, com a voz baixa, como se temesse perturbar algo que escutava além da névoa — foi um frade do século XVII que se retirou para o Convento dos Capuchos, bem aqui perto, em busca de uma purificação absoluta.
O grupo permaneceu em silêncio. A chávena da Clara pairava a meio caminho entre o colo e os lábios.
— Recusou carne, posses… até o próprio nome. — Martim sorriu de canto, sem humor. — Dizem que, no silêncio das pedras e das árvores, fez um pacto com a terra.
Um estalo seco ecoou da madeira do alpendre. Ninguém se mexeu.
— Viveu anos em penitência — continuou ele, os olhos perdidos na névoa imóvel —, alimentando-se apenas do que a floresta lhe dava. Até que desapareceu sem deixar corpo. Como se tivesse sido absorvido pela serra que tanto venerava.
O som do vento ausente parecia prender a respiração da paisagem.
— A cela onde vivia — acrescentou Martim, mais baixo ainda, quase para si mesmo — nunca mais voltou a aquecer. E ainda hoje há quem jure ouvir, entre os carvalhos e os blocos de granito, passos arrastados… e murmúrios de oração.
Ninguém disse nada depois. Ficaram só ali, em silêncio outra vez, com o vapor do café a subir como fumo leve e os olhos perdidos naquela floresta imóvel. E talvez tenha sido essa história, contada entre bocejos e goles amargos, que os empurrou naquela manhã, como um peso invisível a arrastá-los para o desconhecido.
E então, silêncio.
Como se a própria serra tivesse parado para escutar.
Foi o Nuno quem quebrou o silêncio. Estava encostado ao corrimão do alpendre, com os olhos perdidos na neblina que continuava a engolir a serra como uma fera paciente.
— Vamos dar uma volta — disse, como quem propõe algo para afastar um pensamento sombrio.
Apontou para um trilho que descobrira atrás da casa, entre os fetos e as silvas, e que subia um pouco pela colina. Ninguém respondeu de imediato, mas a sugestão parecia ter surgido no momento certo — como uma bóia lançada a um grupo prestes a afundar-se em si mesmo. Um a um, levantaram-se, foram buscar os casacos e, já cá fora, começaram a conversar em tom leve, como se pudessem espantar com palavras o peso da história que o Martim acabara de contar. Mesmo vindo de quem habitava quase um mundo de fantasia, entre vídeos e teorias da conspiração, algo naquela história calou fundo em cada um deles. Talvez a neblina daquela manhã lhes tivesse trazido algo mais... um arrepio que não vinha apenas do frio.
No início, o trilho era simples, apesar da inclinação — terra batida, folhas húmidas, ramos secos a estalar sob os pés. Mas, pouco a pouco, foi-se estreitando, tornando-se mais irregular, como se estivesse a rejeitar a presença de estranhos.
— Parece um caminho de cabras — comentou o Martim, inclinando-se para observar os sulcos no chão. — Devem passar por aqui muitas vezes, e há séculos. Estes rastos estão bem marcados… e são fundos.
A vegetação abriu-se de repente numa clareira. O grupo parou, e o Martim sorriu — no centro, um rebanho de cabras e algumas ovelhas, gordas e preguiçosas, pastava em silêncio. Mais afastado, sentado numa pedra lisa, estava um velho pastor. Segurava um cajado espesso, gasto e polido pelo tempo, de um tom quase acobreado.
O grupo aproximou-se devagar. O Nuno foi à frente.
— Bom dia, senhor — disse, com um esforço deliberado de cortesia. — Estamos hospedados ali em baixo, naquela casa. Viemos explorar um pouco e queríamos saber se este trilho leva a algum sítio interessante… um convento, uma pedra antiga…
O Martim surgiu por trás do Nuno, com o habitual tom trocista:
— Talvez a Moura Encantada?
O pastor virou-se com um movimento súbito, seco. A cabeça dele moveu-se como uma pedra empurrada por uma força invisível. Tinha um rosto cansado, mas o que mais o marcava era a ausência de um olho — apenas um buraco escuro, fundo, sem fundo.
— Não, rapaz — disse, a voz como cascalho molhado. — Por ali não há nada. Voltem por onde vieram. E não passem daqui.
O Nuno ia dizer qualquer coisa — talvez contrariar, talvez insistir — quando um cão enorme saiu do meio das ovelhas. Negro como carvão, dentes à mostra, rosnando com uma fúria que não parecia deste mundo. As ovelhas estremeceram e afastaram-se num tropel desordenado. O grupo ficou paralisado, como se os pés tivessem criado raízes no chão húmido.
O velho levantou-se num salto quase ágil demais para o corpo que tinha. Um assobio curto, com uma cadência estranha, e o cão recuou imediatamente. Circulou o rebanho, empurrando-o de volta para a descida, como um guarda invisível.
Antes de seguir, o pastor virou-se para o grupo.
— Voltem para onde vieram. Fiquem lá pelo centro de Sintra, com os vossos cafés e queijadas. Aqui não há nada para gente nova… da cidade. Voltem.
E, com passos largos, caminhou atrás do rebanho.
Pareciam ter pressentido algo, o cão e o velho. Algo que escapava à percepção dos que tinham crescido entre prédios, ecrãs e buzinas.
A Clara tentou quebrar o silêncio que ficou.
— Vamos voltar… podemos comer uma queijada lá na...
Mas a voz dela morreu no ar quando, mais à frente, sem sequer virar o rosto, o velho gritou:
— A terra tem fome. Quem não escuta, alimenta.
Ninguém disse nada.
Um arrepio percorreu a nuca de Clara — não daqueles que sobem devagar pela espinha, mas um frio direto, como um toque gelado na parte de trás da cabeça. Clara ainda olhava na direcção por onde o velho pastor e o rebanho tinham desaparecido, tentando escutar algo para além do silêncio pesado que agora se instalara na clareira.
Foi nesse instante que sentiu. Não ouviu nada. Não viu nada. Mas o corpo reagiu antes da razão: um pressentimento vindo da mata, denso e instintivo, como se algo a espreitasse por entre os troncos e a bruma. O tipo de sensação que se tem quando estamos a ser observados — e não há vivalma por perto.
Enquanto os outros se afastavam de novo pelo trilho, rindo nervosamente e trocando piadas para quebrar a tensão, Clara não se mexeu. Ficou ali por um momento, sem tentar disfarçar o desconforto. Não precisava de dizer nada — já se apercebera de que, por mais que todos fingissem não dar importância, algo naquela manhã tinha mudado.
Clara seguiu atrás, em silêncio. O trilho afunilava-se, mergulhando mais fundo na mata cerrada.
E talvez tenha sido aí… que tudo começou.
O trilho parecia querer engolir-lhes os passos, como se a própria terra recusasse ser pisada. A vegetação fechava-se em torno deles, e as copas espessas das árvores abafavam a luz, mergulhando tudo numa penumbra constante — um lusco-fusco que fazia a manhã parecer fim de tarde. Em certos momentos, o silêncio tornava-se tão espesso que até o estalar de um ramo soava como um grito sufocado.
Martim seguia atrás, a filmar. A câmara tremia ligeiramente enquanto ele apontava a lente para os carvalhos de troncos retorcidos e as fendas húmidas nas pedras cobertas de musgo. Falava num tom ensaiado, com um falso dramatismo de série B:
— Lá onde Frei Honório se dissolveu... a terra ainda respira...
O grupo prosseguia pela trilha, que subia por entre raízes expostas e pedras cobertas de líquenes. De repente, Nuno estacou. À frente, semiocultos pela vegetação rasteira, erguiam-se os restos de uma construção circular em pedra, sem teto, com uma única entrada em arco — quase uma ruína, mas ainda com presença.
Martim avançou de imediato, com a câmara em riste, como um caçador que pressente o troféu. O seu entusiasmo contrastava com o silêncio cauteloso dos outros.
Nuno ajoelhou-se junto a uma pedra na base da estrutura. Passou a mão devagar pela superfície coberta de musgo húmido, revelando inscrições em baixo-relevo. Os símbolos, estranhos e curvos, não pertenciam ao alfabeto conhecido, excepto algumas letras que parecia reconhecer. Pareciam mais antigos do que a própria terra.
— Devia ser algum altar pagão... ou um código secreto para monges hereges — disse Rita, com um sorriso enviesado, como quem não acredita no que acabou de dizer.
Nuno não respondeu de imediato. O seu olhar tinha-se tornado distante, como se estivesse a puxar fios de memória dispersa. Por fim, murmurou:
— Acho que vi algo sobre isto num folheto no centro de turismo… Chamavam-lhe a "Pedra de Kurat"… e este lugar terá sido um forno comunitário… ou algo do género.
Não teve tempo de concluir. Um grito cortou o ar.
Martim, concentrado no visor da câmara, não reparara onde punha os pés. O solo cedeu sob o seu peso — um estalo surdo — e a perna esquerda afundou-se até ao joelho numa cova de terra solta. Caiu para o lado, a câmara tombando com ele.
— Merda! — gritou, arfando. — Está aqui uma cavidade… Isto… isto parece uma entrada!
O buraco revelou uma fenda escura entre as rochas, larga o suficiente para que alguém se arrastasse por ela. De lá saía um sopro morno e denso, como se o próprio ar estivesse saturado de um tempo antigo e apodrecido.
Apesar do susto, Martim parecia exultante. Os olhos brilhavam.
— Se isto for mesmo do tempo do Frei Honório… podemos ter descoberto uma gruta ancestral! Ou uma cripta!
Nuno não respondeu de imediato. Apenas olhou para a abertura com uma expressão indefinível. Mas nos seus olhos havia algo — ou talvez um aviso que pressentia, mas que não estava pronto para dizer em voz alta; não queria parecer receoso com a sensação que o invadira.
Clara afastou-se um pouco, contrariada, tentando calar a inquietação que lhe fervilhava no peito. O grupo falava em murmúrios atrás dela, mas o som parecia distante, abafado pelo peso do ar. Então, pelo canto do olho, algo brilhou — um reflexo breve, como o lampejo de um segredo mal guardado, vindo da lateral da colina próxima.
Foi aí que a viu.
A cerca de vinte metros adiante, algo destoava como uma cicatriz na paisagem: uma entrada que parecia arrancada de outro século, quase completamente devorada pela terra e pelo tempo. Uma porta antiga de madeira escurecida, reforçada com aros metálicos corroídos e coberta de trepadeiras espessas, que se enlaçavam como veias petrificadas — como se a própria serra estivesse a tentar engoli-la.
Clara não disse nada. Apenas ergueu o braço, num gesto lento, e apontou.
Os outros aproximaram-se em silêncio, os passos abafados pelo musgo e pelas folhas húmidas. Diante deles, a entrada arqueada erguia-se embutida na pedra bruta da serra, fundida ao terreno como se tivesse brotado dali — ou sido sepultada, e apenas agora ressurgisse.
No alto do arco, logo acima da ombreira, um brasão antigo. Gravado a cinzel na pedra gasta pela erosão, ainda se distinguiam traços de um brasão, parcialmente coberto de musgo, com símbolos heráldicos de uma linhagem perdida — nobreza afogada no esquecimento.
Ao nível do chão, na pedra lateral do arco, outro detalhe: um símbolo enigmático, tão antigo quanto indecifrável. Um círculo envolvendo uma cruz de Malta, e em volta, raízes entrelaçadas que pareciam mover-se com o olhar. Por baixo, gravada com precisão obsessiva, uma inscrição em latim:
"Speculum Animae"
Martim soltou um assobio baixo, com um sorriso nervoso a tentar disfarçar o entusiasmo:
— Isto parece saído de uma daquelas seitas marianas… dos templários, ou daquelas que celebram missas às três da manhã, envoltas em véus e com sangue de cabra. Alguém sabe latim? Eu reconheço, mas não faço ideia do que diz. Sempre o achei obscuro, e na boca do clero... ainda mais.
Rita passou os dedos devagar pelas raízes gravadas na pedra, como quem lê em braille um aviso esquecido:
— Não… Isto é mais antigo. Parece uma linguagem da terra, não uma fé revelada, mas algo que sempre cá esteve. Tem o cheiro de um culto lusitano, de pedra viva, de um ciclo que nunca se quebrou. Sei um pouco de latim, estudei-o quando tinha tempo para coisas inúteis na escola. Acho que diz 'Espelho da Alma'.
Nuno permaneceu calado, olhos fixos no brasão, como se este puxasse por uma memória antiga. Por fim, murmurou:
— Vi algo parecido nos azulejos da casa da minha avó… em Tomar. Um círculo com essa cruz no centro. Mas sem as raízes.
Aquilo era um símbolo de promessa. De compromisso. Talvez até de sacrifício... Havia nele algo de ancestral, como um pacto selando — ou sustentando — algo há muito esquecido. Esse símbolo devia representar um aviso, algo selado e proibido de ser cruzado. Alguém, com profundo conhecimento, teria deixado aquela marca gravada na pedra, como um alerta para o perigo que se ocultava além daquela porta. Mas os jovens não compreendiam.
Durante um momento suspenso, os amigos permaneceram em silêncio, cada qual mergulhado nas próprias memórias, tentando decifrar onde já teriam visto, ou ouvido, falar daquele símbolo.
Martim olhou para todos, com um sorriso trocista que se desfez a meio, como se estivesse a ver uma daquelas histórias mal contadas. O olhar dele, despreocupado e ligeiramente divertido, não demonstrava a mínima noção do que realmente estava em jogo.
— E agora?
Ninguém respondeu.
O ar parecia espesso, carregado, como se o tempo tivesse abrandado só para os observar. Um silêncio denso caiu sobre o grupo — não o silêncio da paz, mas o de algo que espera. A serra estava viva. E, naquele instante, todos sentiram, mesmo que nenhum ousasse dizer em voz alta:
Já não havia retorno. Cada descoberta, cada indício arrancado ao silêncio do lugar, em vez de os deter, impelia-os ainda mais para dentro do desconhecido. Pressentiam perigos antigos, coisas que não sabiam nomear, mas a promessa de respostas — ou de algo maior — era mais forte do que o medo que não queriam confessar.
Ouviram passos atrás deles, no bosque.
No meio das árvores, entre os troncos, estava uma velha, como tantas outras esquecidas nas aldeias portuguesas, quase abandonadas pelo tempo. O seu corpo curvado parecia moldado pela própria terra, e os seus olhos, de um cinzento desbotado, pareciam olhar para além do presente, como se carregassem consigo um peso ancestral.
Usava um lenço preto amarrado à cabeça, e as suas roupas, simples mas negras como a noite, contrastavam com a natureza ao redor. Ao seu lado, um cão magro e quase translúcido, com os ossos à mostra, caminhava em silêncio — como uma sombra que nunca a deixava.
Aproximou-se sem pressa, como se o bosque e a história a conhecessem bem, e falou com uma voz grave, quase sussurrada:
— A terra fechou os olhos por um tempo… mas não esquece. Ele ainda lá está. E agora ouviram-no…
Clara, desconcertada, tentou entender:
— Desculpe… quem?
A velha permaneceu imóvel, como se as palavras já estivessem ditas há séculos, aguardando apenas para serem ouvidas novamente:
— O Senhor das Bonecas. O que ficou. O que construiu vidas com pedaços de outras. Deixem-no dormir, ou vão acordar o que já não devia mexer.
Antes que pudessem fazer outra pergunta, a mulher deu um passo atrás e, como se o próprio bosque a tivesse engolido, desapareceu silenciosamente entre as árvores — deixando para trás apenas o eco das suas palavras e o leve estalar das folhas secas. Como se nunca tivesse estado ali.
Os amigos saíram do transe causado pela aparição da velha e voltaram os seus olhares para o portal que haviam descoberto momentos antes.
Como poderiam entrar?
A porta parecia saída de outro século — madeira inchada pela humidade, quase a desfazer-se, com ferrolhos carcomidos pela ferrugem. Mas ainda guardava força. Bastou um empurrão decidido dos rapazes para que cedesse com um estalido agudo, como um grito estrangulado que há muito aguardava para ser solto. Um som que não parecia apenas físico, mas emocional — como o lamento de algo aprisionado há demasiado tempo.
Do outro lado, o ar era mais frio.
O espaço que se abria era circular, envolto por colunas gastas, de pedra fendilhada e coberta de líquenes, como se o próprio tempo as tivesse começado a devorar. A estrutura ameaçava ruína, suspensa num equilíbrio precário entre o sagrado e o esquecido. Entre as colunas, encastrados em nichos, alinhavam-se objectos que pareciam saídos de um pesadelo barroco: figuras esqueléticas de porcelana, do tamanho de crianças — bonecas deformadas, de traços partidos e expressões perdidas em rostos rachados. Algumas tinham os olhos pintados; outras, apenas o vazio. Tinham braços demasiado longos, cabeças desproporcionadas e uma quietude que fazia o coração vacilar.
Com as lanternas dos telemóveis, iluminaram o espaço passo a passo, avançando com cuidado, os feixes de luz deslizando sobre as bocas entreabertas das estátuas, como se estas sussurrassem algo demasiado antigo para ser compreendido.
Martim, inevitavelmente, gravava tudo.
Foi ele quem primeiro notou a inscrição. Na laje central, onde Clara permanecia imóvel, boquiaberta, havia algo coberto de pó e lama — quase imperceptível sob as suas botas. Ela parecia presa numa contemplação muda, com um zumbido leve nos ouvidos, como se o silêncio do lugar tivesse peso. Uma pressão estranha, como se o espaço respirasse com uma cadência própria.
— Clara, recua um pouco… — pediu Martim, com a voz contida. — Está aqui qualquer coisa escrita no chão.
Ela afastou-se devagar, ainda como que em transe. Depois, com a sola das botas, limpou o pó e a terra da pedra central. À medida que o texto se revelava, um calafrio percorreu o grupo.
Gravada na pedra, em letras profundas e irregulares, estava a inscrição:
“Não é a morte que vos aguarda, mas o regresso.”
Ninguém falou. O som das suas próprias respirações pareceu, subitamente, alto demais. E o ar... começava a mudar.
Notaram então, meio oculto nas sombras acumuladas nas laterais da câmara, aquilo que parecia ser um trono de pedra — afastado do centro e quase engolido pela escuridão. Aproximaram-se devagar, como se cada passo os empurrasse contra uma presença antiga, uma força que os observava em silêncio. Sentiram uma corrente de ar frio, constante, soprando por detrás do trono como um sussurro vindo do ventre da terra.
— Isto parece mesmo um local de culto... — murmurou Rita, a lanterna a tremer sobre o trono. — Ocultismo... sociedades secretas... há algo de ritualístico aqui, mais uma daquelas tretas.
Tocou no trono coberto de pó e limpou levemente o encosto, pois notara um brilho baço a emergir da pedra.
— Reparem neste brilho... Quase negro, ora cintila, ora se esconde. Que pedra será esta?
Martim, que também observava com atenção, passou a mão por uma área maior do trono e, com a voz embargada de entusiasmo, exclamou:
— Não acredito! Isto... isto é tudo obsidiana?! Não pode ser! Parece que estamos dentro do meu jogo favorito! Obsidiana… fantástico! Esperem — Levantou a câmara presa ao pulso num gesto quase instintivo — tenho de filmar isto e comentar, vai dar um vídeo brutal para o meu canal de gaming! Já estou a imaginar os comentários...
Antes que pudesse continuar, um som seco cortou o ar — como uma pedra pesada a cair sobre um eco oco. Todos se sobressaltaram. Um segundo depois, uma nuvem de pó ergueu-se por detrás do trono, espalhando-se pela sala como uma respiração milenar. Tossiram, cobrindo os rostos, enquanto o ar se tornava ainda mais denso, impregnado de poeira e memória.
Quando a poeira assentou o suficiente para ver, voltaram as lanternas dos telemóveis para trás do trono — e ficaram em silêncio.
Uma grande pedra cedeu, revelando uma abertura escura e irregular, cravada no coração da rocha. Um túnel. A escuridão dentro dele era total, daquelas que parecem engolir a própria luz — um breu que não refletia o brilho das lanternas dos telemóveis, como se algo à espreita ali dentro estivesse à espera.
Trocaram olhares, as luzes tremeluzindo nos rostos nervosos, cúmplices da dúvida que os atravessava. Entrar ou recuar? Dizer que viram o suficiente e voltar para casa? Esperar que tudo aquilo fosse apenas uma ruína esquecida?
Mas é difícil resistir quando se é jovem, e a curiosidade arde mais alto do que o medo.
Entraram.
O túnel inclinava-se para baixo, como a garganta de um monstro adormecido, e à medida que avançavam, o mundo atrás deles parecia desaparecer, engolido pela escuridão. Nos primeiros metros, a penumbra era quase total, com as lanternas dos telemóveis a refletirem apenas a umidade das paredes de pedra e o brilho leitoso daquelas superfícies, lisas como mármore polido.
Mas então, de forma abrupta, a escuridão deu lugar a algo inesperado.
À frente, o túnel abria-se numa estrutura esquecida — uma galeria coberta, construída em ferro enferrujado e vidro baço, parte estilhaçado, parte coberto por trepadeiras secas. A estrutura arqueava-se sobre eles como uma estufa gótica, um antigo jardim de inverno em forma de corredor, colado à encosta da serra, mas ainda a respirar. A luz natural infiltrava-se por entre os vidros partidos e as fendas na vegetação, criando um brilho estranho, esverdeado, como se estivessem dentro de uma catedral abandonada, erguida para uma divindade vegetal.
As plantas pareciam ter tomado posse daquele lugar há décadas — ramos contorcidos subiam pelas colunas de ferro, folhas ressequidas acumulavam-se no chão coberto por um mosaico partido. O ar, embora carregado, tinha agora um cheiro a terra molhada e flores secas, como se ali o tempo tivesse parado a meio de uma primavera doente.
— Que raio é isto...? — murmurou Martim, filmando com a câmara em punho, a voz quase engolida pela reverberação baixa do espaço.
Era como se tivessem atravessado a camada superficial da terra e estivessem agora a caminhar dentro do sonho esquecido de alguém. Um espaço impossível, mas ali, diante deles, encaixado na serra como um segredo bem guardado.
E mais à frente, ao fundo da galeria, entre véus de luz e sombra, avistava-se uma silhueta rectangular: uma porta de madeira antiga, flanqueada por janelas opacas e contornos de uma estrutura maior.
Uma casa.
Uma casa onde não deveria haver nada.
Abriram aquela porta e depararam-se com um grande salão que mais parecia a entrada de um palácio decadente. No centro, uma escadaria imponente bifurcava-se no topo, conduzindo para as laterais do espaço. À volta, armários repletos de bonecas, livros e estranhas ferramentas pareciam ser os únicos ocupantes de um lugar abandonado há séculos.
O pé-direito era extremamente elevado e, no tecto, quase a desabar, uma claraboia deixava passar raízes do exterior, como se a natureza estivesse a reclamar o seu território. Candelabros pesados, quase destruídos, pendiam do tecto, como ecos de um tempo que já não existia.
No que parecia um mezanino, as paredes estavam repletas de prateleiras carregadas de livros, alguns empilhados de forma caótica. No andar inferior, onde se encontravam, as janelas enormes estavam quebradas, permitindo que grandes montes de terra, pedra e raízes invadissem o espaço. Grandes reposteiros escondiam as paredes e algumas das janelas, criando uma atmosfera de opressão.
Na lateral da escada, mais afastada, uma porta entreaberta emanava um som suave de água em movimento, como se alguém se arrastasse para dentro dela, perdido em algum segredo há muito enterrado. O ambiente estava carregado com um pressentimento estranho, como se aquele lugar tivesse sido criado para guardar algo — ou alguém — por mais tempo do que a própria memória poderia suportar.
Clara não conseguiu disfarçar o arrepio na pele dos braços, mesmo debaixo do casaco. Olhou em volta, absorvendo cada detalhe com uma mistura de fascínio e receio. Aproximou-se, os olhos fixos nas bonecas espalhadas pelos armários.
— Isto... isto é uma loucura — murmurou, a voz a tremer ligeiramente. — Que lugar é este?
Martim aproximou-se de uma das figuras, o braço estendido como quem se prepara para tocar uma relíquia frágil. Hesitou. Por um instante fugaz — talvez apenas fruto da luz trémula, do nervosismo ou da própria imaginação — pareceu-lhe que a boneca tinha pestanejado. Um espasmo invisível percorreu-lhe o corpo. Recuou instintivamente, o coração a acelerar. No movimento brusco, o cotovelo roçou noutra boneca empoleirada na beira do armário. Ela tombou e estilhaçou-se no chão com um estalido seco e oco, espalhando fragmentos de porcelana como pequenos dentes partidos.
O som fez eco no espaço fechado, agudo demais, quase humano. Clara sobressaltou-se e levou a mão ao peito. Nuno endireitou-se como se acabasse de despertar de um transe. Rita recuou um passo, os olhos arregalados, quase pronta a lançar um insulto a Martim pelo seu movimento desastrado.
Por um breve momento, todos ficaram em silêncio, com os olhos fixos nos cacos espalhados no chão. Era como se o som tivesse rompido algo mais do que o silêncio — como se os tivesse puxado de volta à realidade, arrancando-os de pensamentos profundos que nem sabiam estar a ter.
— Parece um daqueles filmes de terror, sabem? Uma casa abandonada cheia de segredos… — disse Martim, quase como se quisesse aliviar a tensão no ar que ele próprio tinha provocado.
— Estes livros… — disse Rita, com a voz mais baixa, como se falasse para si mesma. — São todos tão antigos... mas parecem... vivos, como se tivessem sido lidos recentemente.
Nuno, que estava mais afastado do grupo, parecia mais alerta, com o olhar fixo na porta entreaberta da lateral. O som da água a arrastar-se para dentro da sala parecia ecoar-lhe na mente. Levantou a mão, como se pedisse silêncio.
— Ouviram isso? — perguntou em voz baixa. — Parece... água, não é? Alguma coisa está a acontecer ali. Não podemos simplesmente ignorar.
Martim, ainda a olhar para as bonecas e a tentar manter a calma, fez uma careta.
— Isso soa mais como algo que não devíamos explorar... — disse, lançando um olhar desconfiado para a porta. — Não sei quanto a vocês, mas isto está a ficar cada vez mais estranho.
Nuno deu um passo em frente, determinado, tentando esconder a sua própria apreensão.
— Já estamos aqui. Não podemos simplesmente voltar atrás. Vamos descobrir o que está por trás da porta. Só... tenham cuidado, certo? — Olhou para os outros, o medo nos olhos a misturar-se com a determinação.
Clara olhou para Nuno, depois para os outros, e finalmente para a porta. A tensão no ar era palpável, mas a curiosidade falou mais alto.
— Eu sei... mas acho que não estamos sozinhos aqui. Algo observa-nos — disse ela, com um sorriso nervoso. — Vamos descobrir o que... ou quem, é.
Nuno acenou com a cabeça, a inquietação a crescer-lhe nos olhos.
— Este lugar não é natural. Seja o que for que ande aqui, temos de o encontrar antes que nos encontre a nós — disse, a voz grave, mais séria do que alguma vez lhe tinham ouvido."
Martim riu de forma desconfortável.
— Parece que estamos mesmo no meio de um filme de terror... — disse Martim, com um sorriso torto, forçando um tom trocista. — Vá lá, alguém diga-me que isto é só uma grande brincadeira.
A tensão no grupo aumentava, enquanto as sombras na sala pareciam ganhar vida própria. Cada um deles sentia, de forma única, a presença de algo mais profundo e mais sinistro. O mistério estava apenas a começar, e a decisão de atravessar aquela porta parecia ser o primeiro passo para algo que nenhum deles poderia prever.
Os quatro amigos estavam tensos enquanto caminhavam em direcção à porta, com as lanternas dos seus telemóveis a tremelicar nas mãos, os passos a ecoar entre as paredes e o tecto do salão. Algo chamava por eles, uma urgência silenciosa que os impelia a seguir em frente, como se a própria escuridão tivesse aberto um caminho.
Nenhum deles olhou para trás.
Se o tivessem feito, teriam visto os fragmentos de porcelana estilhaçados começarem a mover-se, como se guiados por uma vontade invisível. Primeiro um dedo, depois parte do rosto — os pedaços arrastavam-se pelo chão frio com pequenos estalidos secos, aproximando-se uns dos outros, encaixando-se com uma precisão impossível. Os olhos partidos da boneca, que antes jaziam vazios no chão, voltaram a unir-se… e algo por trás deles brilhou por um instante.
Com um último clique seco, a cabeça ficou inteira. E os olhos — agora completos — pestanejaram. Uma vez. Depois ficaram imóveis, aguardando.
Quando finalmente abriram a porta, com o som do ferro rangendo, a cena à frente deles deixou-os em choque.
Clara foi a primeira a falar, mas a sua voz estava baixa, quase reverente.
— Mas o que é isto...? — Ela olhou em volta, absorvendo o espaço surreal. A piscina, com a água negra. De tão negra, a água era um espelho quebrado, quase incapaz de reflectir o mundo à sua volta. Parecia ter saído de um pesadelo. Não se conseguia ver o fundo.
Rita avançou devagar, os olhos fixos, perplexos, como se o mundo à sua volta tivesse perdido toda a lógica em que acreditava. Reconheceu os azulejos que cobriam o chão, com os seus padrões portugueses, e as figuras esculpidas nos nichos do outro lado da piscina — imagens de sedução, que pareciam convidar a prazeres há muito esquecidos. Estavam gastas, corroídas pelo peso dos anos, manchadas pelo tempo, como se até a memória daquele lugar estivesse a ser lentamente consumida.
Martim, que estava mais perto da piscina, deu um passo em direção à borda da água. A superfície da piscina, refletindo somente a luz do seu telemóvel, parecia perfeita, sem nenhuma ondulação, como se ninguém jamais tivesse tocado nela. Na outra mão, a câmara de filmar.
— Isto não faz sentido... — disse, a voz cheia de desconfiança. — A água está... está parada, como se ninguém tivesse entrado aqui há séculos. Mas e aquele som de água...? — Virou-se para os outros, o olhar desconcertado. — Vocês também ouviram, não ouviram?
Nuno aproximou-se com cautela, observando as raízes que pendiam do teto e se entrelaçavam com o espaço, como se a própria montanha estivesse a tentar engolir o local, e ajoelhou-se na borda da piscina. Ele estendeu a mão para tocar a água... mas hesitou. Levantou-se rapidamente e pensativo.
— É como se este lugar tivesse sido um dia cheio de alegria… e agora está... sendo engolido pela terra. — Fez uma pausa, o olhar fixo na água. — Mas e aquele barulho? Não há ninguém aqui… ou há?
Clara também se aproximou da borda da piscina, o olhar fixo naquele gelo negro e silencioso. Algo naquela água parecia bastante errado, como se fosse uma ilusão, um truque de espelhos.
— Eu não gosto disto... — disse, a voz quase inaudível. — Algo aqui está fora da ordem natural, como se a própria realidade estivesse a hesitar. Aquela água… é como se estivesse à espera de algo.
Martim, tentando aliviar a tensão, deu uma risada nervosa.
— O que está à espera? Que a gente vá entrar? Já ouvi histórias de piscinas amaldiçoadas, mas isto aqui parece mais uma armadilha do que um lugar para nadar.
Rita, mais afastada, com os olhos fixos na água, parecia mais séria.
— Eu não sei... isto é... não sei mesmo o que pensar. E aquele som... é como se alguém estivesse a mexer na água, mas... — olhou ao redor, como se procurasse alguma explicação — não há ninguém.
Nuno ficou em silêncio por um momento e então, com uma expressão sombria, disse:
— Acho que estamos a mexer em algo muito mais profundo do que imaginávamos. Se o lugar está assim, intocado, mas ao mesmo tempo está vivo... talvez seja um sinal de que não devíamos estar aqui. — Balançou a cabeça. — Vamos embora antes que seja tarde demais.
Clara, ainda fascinada, mas também ciente do perigo, apontou para a água...
— O problema é que agora que vimos isso, não podemos simplesmente virar as costas. — Respirou fundo, tentando manter a calma. — Temos de descobrir o que está a acontecer aqui. Mas, por favor, tomem cuidado.
O silêncio caiu sobre o grupo, como se algo os estivesse observando, esperando o momento certo para se revelar. A sensação de serem observados, de estar prestes a cruzar uma linha que não poderia ser desfeita, era palpável no ar.
Martim aproximou-se ainda mais da borda da piscina, com a câmara na mão, tentando captar o que fosse possível. Os seus olhos estavam fixos na água escura, à procura de algum reflexo, algum movimento que explicasse o som que haviam escutado, quando tropeçou numa boneca velha, uma que jurava não estar ali antes. Sem aviso, perdeu o equilíbrio e, com um grito abafado, caiu na água.
Um splash surdo ecoou pelo espaço. Olharam em volta, sem perceberem de imediato o que acontecera. A água negra permanecia quieta, reflectindo apenas um vazio impenetrável, como se a piscina fosse um portal aberto para um abismo sem fim.
Clara, com os olhos arregalados, foi a primeira a reagir.
— Martim! Onde é que ele foi?! — gritou, aproximando-se da borda da piscina, olhou para a água, mas tudo o que via era escuridão.
Rita, também alarmada, procurava em vão pelo amigo.
— Ele não está lá embaixo... Onde está ele?!
Nuno sentiu o medo apertar-lhe o peito, o coração a bater descompassado.
Rita, prestes a saltar para a água atrás de Martim, sentiu a mão de Nuno fortemente apertada no seu braço, com firmeza. Sem dizer uma palavra, ele abanou lentamente a cabeça, os olhos fixos nos dela — um aviso silencioso para não o fazer.
— O que está a acontecer?! — perguntou Rita com surpresa e voz tensa. — Não podemos... não podemos deixá-lo lá!
Por mais que olhassem, a piscina não revelava qualquer sinal de Martim. Ele estava perdido, como se tivesse desaparecido no vazio da água. O medo paralisava-os. Ninguém sabia o que fazer.
Enquanto isso, Martim lutava no fundo da piscina. Cada movimento era mais difícil que o anterior, o peso do corpo puxando-o para um abismo onde não conseguia respirar. A água escura envolvia-o como uma manta gelada. O pânico alastrava-se-lhe no peito.
Então, algo chamou a sua atenção.
No fundo da piscina, como se estivesse à sua espera, algo o fez tragar uma torrente de água, como se o próprio fundo tivesse se aberto para o beber.
Manequins!? Bonecas!?
Era um cenário surreal e macabro. No fundo da piscina, rodeando-o, como se o observassem com os seus olhos vazios e rostos pálidos. Alguns eram apenas figuras sem rosto, outros tinham expressões grotescas e deformadas, com buracos negros onde os olhos deveriam estar, braços de bonecas e manequins em sua direção.
Martim, aterrorizado, sentiu o gelo negro no corpo. Tentou nadar para a superfície, mas algo o puxava de volta. Olhou para baixo e viu uma pequena boneca — nua, sem olhos, o corpo quebrado e sujo — agarrada à sua perna, puxando-o para o fundo.
O pânico consumiu-o. Num impulso desesperado, agitou a perna com força, mas foi com a câmara — ainda presa ao seu pulso — que encontrou a salvação. Num movimento brusco, aproveitou o embalo do braço e desferiu um golpe certeiro na boneca. O impacto arrancou-lhe o braço de porcelana, que se soltou da boneca e da perna, libertando um som profundo, como o grito de uma baleia ferida, que emergiu da boca aberta e negra da boneca. A perna de Martim ficou livre no mesmo instante.
Com um esforço desesperado, nadou em direção à superfície, os pulmões a queimar por ar. A sensação de ser puxado parecia interminável, mas finalmente, os seus dedos tocaram a borda da piscina.
Os amigos puxaram-no para fora, mas a expressão que Martim viu neles era de incredulidade, como se não pudesse ser real. Já estavam a virar as costas, prontos para chamar ajuda e tirar o corpo de Martim daquela água. O tempo que passou parecia interminável, e o medo de saltar para a água havia sido mais forte do que o desespero por tê-lo deixado ali, sem ajuda. — E Martim, por tudo o que sabiam, devia estar morto.
Estavam aliviados por vê-lo, mas ao mesmo tempo perguntavam como seria possível. Logo notaram algo estranho no amigo: Martim estava pálido, com os olhos esbugalhados, completamente em estado de choque. Mas ele estava ali. Respirava. Estava em pânico. Como se não tivesse passado nem um minuto.
Clara, com a voz trémula, perguntou:
— Martim, como é possível? O que aconteceu lá em baixo?
Martim, ainda a tremer, olhou para os amigos, que pareciam ter visto um fantasma em vez dele, e para a água, que retomava a sua posição estática, como se estivesse à espera que os manequins saíssem de lá para o perseguir e arrastá-lo de volta.
— Eu... eu vi... — engoliu em seco, tentando descrever o terror que vivera. — Havia manequins no fundo da piscina... e uma boneca... sem olhos... ela agarrou-se a mim. Eles estavam vivos, de alguma forma. Olhavam para mim... puxavam-me para o fundo.
Respirou fundo, tentando recuperar o controlo.
— Mas... lá em baixo... mal bati no fundo... eles apareceram do nada... uma boneca agarrou-me a perna, mas consegui escapar... no entanto, o grito dela... ainda bem que me soltei, mais um pouco e teria morrido afogado. Mas estavam vivos...
Rita, com os olhos arregalados e a voz trémula, respondeu:
— Mas, Martim, estiveste lá muito mais tempo! ...E tu não estavas lá. Não conseguimos ver o fundo. E que manequins e bonecas são essas? Não há nada na água! Não é possível...
Martim só balbuciou: — Tem... juro que tem... — mas calou-se e desistiu de tentar convencer os amigos.
Nuno ficou em silêncio, pensativo. O que Martim dizia não fazia sentido. Era como se o tempo se tivesse distorcido, como se aquele espaço não obedecesse às mesmas regras.
Uma onda de apreensão tomou conta dele. Aquilo escapava a qualquer lógica.
E, por um instante, uma certeza gelada atravessou-lhe o pensamento — Martim não devia estar vivo.
Não depois daquilo. Não da forma como acontecera. E, no entanto, ali estava ele. Ou algo que parecia ser ele.
— Não podemos ficar aqui mais tempo... Já chega desta loucura. Vamos. — disse, com a tensão na voz mais forte do que nunca.
Mas Martim, ainda atónito, olhou para a piscina uma última vez. Algo ainda o chamava. Sabia que havia mais ali — algo que não conseguiam ver. Algo que o esperava.
Saíram rapidamente por onde tinham entrado, regressando ao grande salão, ansiosos por encontrar a saída.
Atrás deles, na piscina, duas cabeças deformadas de manequim emergiam lentamente da água, como se fossem puxadas por mãos invisíveis...
Quando voltaram ao grande salão, o desespero tomou conta do grupo como facadas de gelo. A porta por onde tinham entrado... desaparecera.
No seu lugar, havia agora uma parede de pedra e raízes, como se nunca tivesse existido porta alguma. Apenas terra compactada, coberta de musgo e pequenas veias vegetais — tal como o resto da estrutura ao redor. Como se o próprio lugar tivesse decidido fechá-los lá dentro.
Rita foi a primeira a avançar, tocando com a palma da mão na parede onde antes estivera a porta, como se, ao tocá-la, pudesse provar a inexistência da saída e a impossibilidade de escapar.
— Não acredito! — exclamou, olhando para os amigos, como que à procura de uma explicação lógica.
Clara estava perdida, com o desespero já estampado nos olhos e no corpo.
Nuno aproximou-se devagar, o rosto fechado numa expressão de incredulidade e medo.
— Estamos presos… — disse, num tom mais baixo do que um sussurro.
O pânico começava a infiltrar-se como a humidade nas paredes — silencioso, lento e inevitável.
Ali, naquela sala onde o tempo parecia suspenso, não havia mais saída.
Martim recuou, ofegante.
— Isto é impossível. Eu filmei tudo. Eu... eu... — murmurou, a voz falhando.
Segurou na câmara que ainda estava presa ao seu pulso para ver as gravações e provar a si mesmo que aquilo não podia ser real. Com os dedos trémulos, pressionou os botões... Tremia mais do que os outros, não apenas por estar encharcado, mas por algo mais profundo, algo que se agitava dentro dele — uma inquietação que ainda não conseguia nomear.
Mas com um gesto lento, quase ausente, desapertou a correia que prendia a câmara ao seu pulso e pousou-a num dos degraus da escadaria, como se isso pudesse livrá-lo de um fardo invisível.
— A água matou a câmara — disse por fim, num tom estranho, sem saber se se referia apenas ao aparelho.
Clara, com os olhos arregalados, falou:
— O que está a acontecer? Isso... isso não é possível!
Rita olhou em volta, desesperada.
— Não há mais porta... Saída…
O salão estava vazio, sem nenhuma pista do que os levara até ali. Não havia como voltar.
Foi então que algo estranho lhes chamou a atenção.
No chão, uma abertura, que antes não estava ali, ou que eles ainda não tinham reparado.
Um retângulo aberto, como uma ferida exposta no caos do soalho gasto e apodrecido — Era como se o chão tivesse sido rasgado de dentro para fora, revelando um retângulo escuro — uma abertura impensável, quase viva — onde começava uma escadaria em pedra que mergulhava na escuridão, rumo ao desconhecido.
Nuno hesitou, o medo estampado no rosto, mas a necessidade de escapar falou mais alto. Levantou os olhos para a escada que conduzia ao andar superior. Parecia a escolha sensata, como se lá em cima houvesse ar, luz, uma saída.
Mas não havia volta. O olhar — ou talvez o terror — empurrou-o na direção oposta, para o buraco aberto no chão. Não havia outra escolha? Talvez fosse a curiosidade, ou quem sabe uma força desconhecida, como o canto de uma sereia, a chamá-lo.
Com passos seguros, ou assim pareceu, Nuno avançou, seguido de perto pelos outros, que já não pensavam nas consequências, mas apenas na liderança dele. Começaram a descer as escadas escancaradas, rumo ao breu profundo. Os degraus de pedra, escorregadios e antigos, eram iluminados apenas pelas lanternas dos telemóveis. No fundo, o caminho serpenteava por um labirinto de túneis que pareciam estender-se indefinidamente, mergulhando-os num silêncio opressivo. O ar tornava-se cada vez mais denso. A humidade grudava na pele, e a cada passo, ressoavam respingos e rangidos abafados.
Rita, logo atrás de Martim, notava o rosto dele ligeiramente impassível, mas os olhos, ainda vivos, traíam a apreensão crescente que se apossava dele. A tensão era evidente, não só no modo como ele segurava a respiração, mas na rigidez do seu corpo, como se estivesse travando uma batalha silenciosa contra um pressentimento angustiante. No entanto, a sua expressão permanecia inalterada, quase indiferente, como uma máscara fria que ocultava o tumulto interno.
— Isto... isto está a ficar cada vez mais estranho. Não gosto nada disto... — sussurrou, o olhar fixo em Martim, como se tentasse encontrar nele alguma reação que a ajudasse a afastar o medo ou a agarrar-se a uma explicação que fosse além do que a sua racionalidade conseguia compreender, algo que os outros também não conseguiam desvendar.
Guiados apenas pela urgência de encontrarem a saída ou o que havia no fim daquele caminho, avançaram. Até que, finalmente, chegaram diante de uma porta de madeira podre. Quando Nuno a empurrou, o som do rangido quebrou o silêncio como um grito abafado. Entrou.
Do outro lado, um espaço amplo — e grotesco. Um laboratório, mas de pesadelo. Aparelhos antigos e corroídos ocupavam as mesas e estantes, peças de bonecas mutiladas estavam espalhadas pelo chão, algumas reduzidas a membros soltos, outras deformadas de formas impossíveis. O cheiro era nauseante: um misto de mofo, ferrugem e carne velha. Paredes cobertas por esquemas anatómicos e desenhos de corpos híbridos completavam o cenário de horror. Sobre as mesas, anotações desconexas falavam de dissecações, tentativas de preservação, experimentos.
Clara, ao ver as figuras retorcidas, sentiu o estômago revirar.
— Isto... isto não é só doentio. Isto é... outra coisa, não é? — disse, a voz embargada.
Nuno aproximou-se de uma das mesas. Sobre ela, repousava uma cabeça de manequim, os olhos de vidro rachados, um sorriso esculpido que parecia zombar do próprio silêncio.
— Parece que alguém estava a tentar recriar... pessoas. Ou algo assim... — murmurou, incrédulo.
Então, do outro lado da sala, Rita aproximou-se de uma abertura na parede. Parou de repente. O olhar fixo, a respiração suspensa.
— Eu vi algo... olhem! — disse em voz baixa, mas com urgência.
Os outros correram até ela. Para lá da abertura na parede, algo se moveu. Num cortejo silencioso, pequenas figuras de vermelho avançavam em direcção a uma porta aberta sobre uma luz espectral e hipnótica.
Clara prendeu a respiração.
— O que... o que foi isso?
Martim, mais pálido do que nunca, deu um passo à frente. O olhar preso ao nicho.
— Não estamos sozinhos aqui... Eu vou...
Nuno agarrou o braço dele com força, puxando-o de volta.
— Não devemos seguir. Pode ser uma armadilha. Não sabemos o que são aquelas coisas!
Rita, com a voz trémula, apontou para a porta por onde haviam entrado.
— Devemos sair agora... antes que seja tarde demais.
Com os olhos fixos no corredor escuro à sua frente, não pensou duas vezes. A sensação de desespero que a dominava era mais forte do que qualquer resquício de racionalidade. Sentia, com uma certeza instintiva, que precisava sair dali. Agora.
— Eu vou sair daqui. Vou encontrar a saída... — murmurou, quase para si mesma.
Não esperou pelos outros. O medo empurrava-a para a frente, e ela cedeu sem hesitação, dirigindo-se ao salão.
Mas, quando lá chegou, encontrou apenas o vazio. Um vazio mais denso do que o lembrava. As paredes pareciam mais próximas, como se estivessem a encolher, prestes a engoli-la. O som dos seus passos não ecoava como antes — era abafado, absorvido pelas próprias entranhas da casa. Olhou em volta. Tudo parecia igual, mas ao mesmo tempo errado. Não havia sinal de uma saída, a porta por onde entraram não tinha reaparecido.
Correu em direção à escadaria e subiu rapidamente, agarrada à esperança de que, no alto, encontraria um novo caminho. Lá em cima, virou-se, à procura de algo que pudesse indicar uma saída, mas o que viu fez-lhe o sangue congelar.
No centro do salão, espalhados em silêncio absoluto, estavam os restos de bonecas de porcelana. Pedaços delicados, brancos e rosados, como pétalas partidas. Bonecas que antes pareciam inofensivas e belas, agora eram apenas espectros daquilo que haviam sido. Uma memória quebrada. Um aviso.
Algo em Rita gritava para não se aproximar. Mas havia uma força — uma presença silenciosa — que a puxava adiante. Sabia que não devia tocar, nem sequer chegar perto. Mas o corpo movia-se sem permissão.
Por um momento, o salão pareceu ondular à sua volta — as paredes respiravam, contraíam-se como um organismo vivo. O espaço dobrava-se sobre si, distorcendo-se como num sonho febril. Antes que pudesse compreender o que via, uma onda de pavor absoluto tomou conta dela. Um medo instintivo, antigo, esmagador.
Virou-se e correu escadas abaixo, de volta ao buraco no chão. Só queria estar junto dos amigos. Não olhou para trás. Não ousava. Algo ali queria que ela ficasse.
Foi então que viu Nuno surgir da abertura no chão. Um alívio súbito.
— Nuno! O que se passa?
Mas ele não reagiu.
Não a viu.
Era como se ela não estivesse ali.
Nuno, que a seguira logo depois, tentando saber onde estava a amiga, chegou ao salão poucos instantes depois. Os olhos vasculharam o espaço — nada. Rita não estava ali.
O salão parecia... diferente. Mais escuro. Mais espesso. Como se respirasse num ritmo próprio, denso e abafado.
No chão, estilhaços de bonecas quebradas formavam um rasto silencioso. Não se lembrava de os ter visto antes. E, no entanto, ali estavam.
Confuso, olhou em volta. Tinha sido rápido — demasiado rápido — ela devia estar ali. Mas não estava.
Com alguma hesitação, ele aproximou-se dos fragmentos de porcelana. Pegou dois que pareciam encaixar-se perfeitamente, formando a silhueta de uma pequena criança. Quando os pedaços frios e lisos se uniram com precisão, o ar à volta dele mudou. Tornou-se mais denso, mais gelado. O tempo pareceu ficar mais lento, como se, por um instante, o mundo inteiro tivesse contido a respiração.
E então vieram as imagens.
Uma casa antiga e palaciana, consumida pelas chamas. O calor sufocante. Gritos abafados. Crianças a chorar, batendo desesperadamente nas janelas fechadas, tentando escapar. E, por entre a dança febril do fogo, surgiu a figura de um homem, indiferente ao fulgor das chamas e às suas línguas vorazes. Ele não salvava. Escondia. Carregava os corpos das crianças já sem vida, ocultando-os como quem enterra segredos que jamais deveriam voltar a ver a luz do dia.
Nuno soltou os fragmentos, cambaleando. Tentou afastar-se, mas a visão persistia, entranhada na sua mente como um eco maligno. O pânico crescia em espirais, apertando-lhe o peito. Já não sabia o que era real.
— Há... há alguém aqui dentro. — sussurrou, a voz trémula e quase inaudível.
O salão permanecia em silêncio. Mas não estava vazio.
Ele sentia. O lugar estava vivo. Havia presenças ali — observando, esperando.
— No palácio. Ou no que restou dele. Vi... vi uma família. Sufocada pelo fumo negro do fogo. Enterrada aqui. E alguém ficou...
Falava em voz alta, mas ninguém ouvia.
Estava sozinho.
Rita gritava por ele ao lado, desesperada. Mas ele não a via. Não a sentia.
Entretanto, no laboratório, Clara e Martim estavam alheios ao que se passava no grande salão. Nuno tinha saído, dizendo que ia procurar a Rita.
Martim reparou numa pintura esquecida num canto escuro, como se o tempo tivesse hesitado em se aproximar dela. O espaço estava mergulhado em poeira espessa, com teias de aranha que se moviam ligeiramente, como se estivessem vivas, tremeluzindo à medida que ele se aproximava. A moldura, rachada e carcomida pela erosão dos anos, mal sustentava a tela, que parecia viva apesar dos anos de abandono. O quadro retratava um casal nobre: o homem, de barba rala e olhos penetrantes, como se quisessem furar a alma de quem os olhasse; a mulher, bela e etérea, e três crianças – duas meninas e um menino. A mais nova das meninas segurava uma boneca com uma delicadeza inquietante, como se estivesse a embalar um segredo guardado à força.
Mas foi algo atrás da família que lhe chamou a atenção, uma presença que o deixou inquieto, como se estivesse a ser puxado para outro plano daquilo que via. Uma sensação quase palpável, como se o quadro fosse uma janela para algo que não deveria estar ali. Contudo, algo mais o gelou por dentro. Duas figuras à margem da cena, quase fantasmagóricas, que o fizeram vacilar. Eram figuras que ele já tinha visto antes, lá fora. O pastor, agora representado como um jardineiro, com o olhar vazio e distante. E uma mulher, talvez a ama das crianças, que tinha a cara da velha que os havia interpelado à entrada daquela casa – a mesma que parecia ter sido arrancada de algum pesadelo distante.
Martim sentiu o peso do ar tornar-se mais denso, como se o quadro, e tudo o que ele representava, o estivesse a arrastar para um lugar escuro e sem retorno.
Martim ajoelhou-se diante do quadro, sem ousar tocá-lo. Os seus olhos prenderam-se à pintura como se algo — ou alguém — o chamasse de dentro dela. A semelhança era impossível de ignorar. A boneca que a menina segurava olhou para ele e o menino... O menino... Era ele...
— Este… esta criança parece-se comigo… — murmurou, quase sem som. A própria voz pareceu fugir-lhe dos lábios.
O ar no laboratório pareceu encolher, tornando-se denso e sufocante. Não era apenas uma pintura. Era uma fenda. Uma janela para algo que não deveria ser visto. Nesse momento, Martim sentiu algo mover-se dentro de si, uma presença inquietante que não lhe pertencia. Uma memória que não era sua, uma verdade enterrada nas profundezas do seu ser, presa nas entranhas do sangue, começava a emergir, obscurecendo tudo à sua volta. Martim já não estava mais ali. Algo mais o tomara, arrastando-o para uma realidade paralela onde o tempo e o espaço pareciam desvanecer.
Clara, a poucos metros de distância, observava Martim com um crescente desconforto. Algo nele estava a mudar, algo que não conseguia compreender. Chamou-o, mas ele não respondeu. Permanecia absorto pela pintura, como se o quadro tivesse o poder de prendê-lo, e ali ficou, imóvel, desde aquele momento. Clara hesitou, observando-o com cautela. Deixou-o ficar quieto, como se uma parte de si soubesse que ele já não era o mesmo. Sabia que algo profundo e irreversível havia acontecido, mas não queria confrontar o abismo que isso representava. Não ainda.
O olhar dela prendeu-se num armário antigo, encostado ao fundo do laboratório, oscilando levemente sob o peso dos anos e do abandono. A mão de Clara moveu-se por instinto, como se guiada por uma vontade alheia. Abriu uma das gavetas, de onde parecia emanar um ténue brilho dourado. Lá dentro repousava um diário de couro escuro, gravado a ouro com duas letras: E.M. Acima delas, uma figura estranha — a carranca de um homem, com barba e cabelos que lembravam algas agitadas, e um olhar furioso, como se a própria figura contivesse uma cólera silenciosa e antiga.
— E.M... — sussurrou, o som escapando-lhe carregado de uma certeza que a gelou até aos ossos. — É dele. Do dono disto tudo… Sabia. Não porque soubesse algo que não se esquece, mas porque o corpo inteiro lhe dizia. Aquilo era o coração do segredo.
Folheou o diário. Páginas amareladas, frágeis como pele antiga. Esboços anatómicos, diagramas mecânicos. Bonecas com estruturas internas de carne e metal, como se tivessem sido desenhadas para viver — ou fingir que viviam. As palavras, escritas numa caligrafia elegante e antiga que se tornava cada vez mais errática, pareciam gemer.
"A carne apodrece, mas a forma pode durar.
Se o amor morre com o corpo, então que o corpo seja eterno."
Clara engoliu em seco. Não era só uma ideia. Era um voto. Um pacto. Uma negação brutal da natureza.
Virou a página com hesitação.
"Eles riram-se de mim.
Disseram que era loucura.
Mas ela volta, em cada boneca.
Em cada gesto."
A letra começava a desfazer-se — tremores, riscos, como se o próprio autor se estivesse a fragmentar. A loucura infiltrava-se nas frases. Cada palavra parecia vibrar na página, como se tivesse vida. Clara sentia-se puxada para dentro delas, como se o diário fosse uma armadilha viva.
Com um gesto brusco, fechou-o. Como quem tenta calar um grito. Mas o silêncio que se seguiu parecia ainda mais carregado.
— Martim...? — Algo, no laço invisível entre eles, tinha-se rompido. Estavam mais distantes que nunca. Mais expostos. O labirinto tinha aberto as entranhas. E agora os engolia.
Rita sentia-se cada vez mais sufocada no grande salão. O espaço parecia respirar por conta própria, como se as paredes pulsassem num ritmo que não era deste mundo. As sombras não se limitavam a seguir a luz — moviam-se com autonomia, deslizando pelas superfícies como serpentes em silêncio, assumindo formas que desapareciam antes de poderem ser compreendidas. Havia algo nelas… uma vontade, uma consciência adormecida e hostil.
O ar estava denso, carregado de murmúrios — não frases completas, mas fragmentos, sílabas desconexas, como se uma linguagem antiga estivesse a tentar emergir das rachaduras das paredes. Rita aproximou-se de Nuno, desesperada por ancorar-se a algo real. Ele, no entanto, permanecia imóvel, indiferente à sua presença. Tentou tocá-lo no ombro, mas, no instante em que estendeu a mão, uma sombra no canto da sala chamou a sua atenção.
E então, ouviu.
Choro de criança.
Quase inaudível, abafado, vindo de um lugar sem direção. Não parecia ecoar no ar — parecia emergir do próprio chão, das paredes, das pedras que sustentavam aquele lugar. Um lamento antigo, saturado de dor. O som carregava uma angústia tão profunda que parecia querer agarrar-se ao seu coração e não largar mais.
Tentou afastar-se, mas para onde? As sombras pareciam fechar-se ao seu redor, como se respirassem com ela, sugando-lhe o ar, envolvendo-a numa pressão invisível que a impedia de pensar com clareza.
Nuno, alheio ao terror crescente de Rita, recolhia metodicamente pequenas bonecas espalhadas pelo chão. Algumas tinham apenas poucos centímetros, miniaturas grotescas com olhos desiguais e expressões fixas de dor. Eram tão pequenas que pareciam feitas para habitar dentro de outras, como camadas infinitas de um pesadelo aninhado. Ele olhava para elas com fascínio mudo, os olhos fixos e vidrados, como se escutasse algo que escapava aos ouvidos de todos os outros.
— Elas... falam comigo. Meus filhos...
As palavras saíram trémulas, mas carregadas de um fascínio perturbador, como se ele estivesse encantado por algo invisível. Nuno apertava as pequenas bonecas contra o peito com uma delicadeza quase reverente, como se segurasse relíquias sagradas.
Rita, ainda que aterrorizada com o que sentia, tentou compreender Nuno.
— O que estás a dizer, Nuno? Quem é que fala contigo? Que filhos?
Ele virou-se lentamente para ela, mas o olhar que lançou atravessou-a sem vê-la. Os olhos de Nuno estavam desfocados, presos a algo distante, ausente do mundo real. Um sorriso estranho, quase infantil, desenhou-se no seu rosto.
— Dizem que sou bom pai. — murmurou, a voz embriagada de doçura sombria. — Dizem que já esperam por mim... que posso voltar para eles... agora...
A última frase ficou a ecoar no salão como uma sentença. Rita sentiu o chão tremer sob os seus pés — ou talvez fosse apenas o medo, cada vez mais enraizado. Ela estendeu a mão para Nuno, mas algo dentro dela hesitou. Havia algo ali, algo que já não era só ele.
O que elas realmente estavam a dizer a Nuno? E o que significava esse "agora"?
Rita olhou para as sombras mais uma vez e, desta vez, os sussurros ficaram mais altos. O choro de criança agora era inconfundível. Mas as crianças… não estavam ali.
Ela respirou fundo, tentando manter a calma, mas a verdade parecia clara: aquele lugar não queria que saíssem. E Nuno, naquele estado estranho, já havia sucumbido àquilo. Algo dentro dele, talvez a própria essência, tinha cedido, entregando-se àquilo que os rodeava, àquela influência inquietante que os consumia.
De repente, as figuras apareceram, as mesmas que tinham visto pela abertura na parede do laboratório. Pequenas, vestidas de vermelho, movendo-se entre as sombras como se tivessem sido extraídas da própria escuridão. As formas rápidas e ágeis pareciam aproximar-se de Nuno, que, absorto, nem notava o perigo crescente.
— Nuno! — Rita gritou, tentando acordá-lo do seu transe. Mas Nuno estava perdido, os olhos fixos nas bonecas. — Elas... falam comigo. Dizem que sou seu pai. — Nuno disse num tom distante, como se não estivesse mais ali. — Dizem que sentem a minha falta... Que posso voltar para elas...
As figuras de vermelho estavam agora à volta de Nuno, movendo-se lentamente, como se estivessem em comunhão com ele. Os seus rostos, embora vagos e indistintos, pareciam... famintos.
Cheia de medo, Rita deu um passo à frente, tentando puxá-lo para longe delas, mas ao fazer isso, as criaturas viraram-se para ela.
Vestidas de vermelho, começaram a mover-se mais rapidamente, os seus corpos pequenos e distorcidos misturando-se em volta do corpo de Nuno, mas os seus olhos, escuros e vazios, pareciam focados nela agora e os rostos que via naquela forma orgânica, cada vez mais irreconhecível, sorriam para ela.
Rita parou onde estava.
— Nuno, tu não estás bem! — Rita gritou desesperada, mas ele não respondeu. As suas mãos estavam firmemente agarradas às bonecas. O que quer que fosse aquele lugar, ele já não era o Nuno.
— Não... não podemos ficar aqui! — Rita gritou.
— Fica... Fica connosco... — murmuraram as bonecas.
As figuras já envolviam Nuno por completo — era como se as bonecas o quisessem absorver, selá-lo dentro de si. As vozes, antes dispersas e sussurradas, tornaram-se nítidas, insistentes, quase hipnóticas:
— Fica... Fica connosco...
O coração de Rita queria sair do peito, aos pulos, sentindo o desespero ganhar forma. Tudo se fechara à sua volta como as paredes vivas de um pesadelo físico, denso e palpável. Estava presa ali, sem escapatória, como se o próprio espaço tivesse decidido trancá-la dentro daquele delírio sombrio — uma força invisível empurrava-a para a frente, como se a própria sala respirasse e a quisesse conduzir a um novo limiar.
Ela sentia que algo estava prestes a emergir da escuridão, algo antigo, acordado pela presença deles.
— Temos de sair... agora! — gritou, a voz embargada pelo medo, pelos sussurros, pelos olhos de vidro que se voltavam para ela.
Mas Nuno permanecia imóvel dentro do abraço grotesco das bonecas. Os seus olhos estavam fixos, fascinados, e um sorriso doentio distorcia-lhe o rosto.
— Estas bonecas... são memória. São alma... — murmurava ele. — Vê os olhos delas... o que elas dizem... o que elas sentem...
As palavras pareciam vir de outro lugar, como se ele já não fosse apenas Nuno, mas uma voz partilhada com algo que o habitava. Rita percebeu, com um arrepio, que ele talvez já não quisesse ser salvo.
Clara decidiu sair do laboratório, o diário ainda apertado contra o peito. As palavras que acabara de ler queimavam-lhe na mente, deixando um rastro de desespero. O que vira nos olhos de Martim, aquele brilho inquietante, havia confirmado a sua decisão. Mas, quando voltou à passagem por onde tinham vindo até ali, ela já não existia. O terror abraçou Clara, os túneis pareciam vivos e tinham mudado de posição, de tamanho, de forma. Virou-se sem pensar para onde poderia ir, guiada por uma força invisível, algo que não compreendia, mas que sentia profundamente. Martim ficou para trás, completamente alheio à sua partida.
Os túneis pareciam fechar-se à medida que ela avançava, tornando-se cada vez mais estreitos, antigos, como se conduzissem a um tempo esquecido, enterrado nas entranhas da terra. A sua forma parecia mudar, a estrutura sólida das paredes cedia, ondulando e contraindo-se, como se algo ali respirasse. O espaço tornava-se apertado, com as paredes a pressionarem-lhe os ombros, uma sensação de abafamento crescente, como se estivesse a atravessar o ventre de uma criatura gigantesca, arrastada pelo peso do tempo. Cada passo ecoava de forma desconcertante, reverberando num ritmo quase pulsante, como se os próprios túneis estivessem a respirar, a engolir, a desejar a sua presença. A sensação era insuportável, como se a terra a estivesse a digerir, forçando-a a continuar, mas ao mesmo tempo a sufocando.
Clara já se sentia perdida naqueles túneis de Dédalo. E então, em meio à escuridão e ao silêncio pesado, encontrou uma pequena capela esculpida na pedra. O ar estava impregnado de umidade e uma sensação de sufocamento, como se o tempo tivesse sido engolido ali. O altar, uma sombra do que fora, estava em ruínas. Onde antes deveria estar uma imagem sagrada de Cristo, agora pendia uma boneca, grotescamente crucificada — uma fusão monstruosa de carne e porcelana. Seus olhos, humanos e costurados, fixavam-se nela sem piscar, imperturbáveis.
Clara não pôde controlar a reação. Vomitou.
Cambaleando para trás, ela apoiou-se numa coluna carcomida e, naquele momento, seus olhos se fixaram nas inscrições gravadas na base do altar, parcialmente cobertas por limo e musgo. As palavras estavam quase apagadas, mas ainda assim conseguiam cortá-la com a sua verdade insuportável:
"Eles vêm buscar os que olham para trás. Os que sentem saudade.
Os que foram moldados. Os filhos de boneca.
Ele deu-lhes vida... mas não lhes deu alma.
E agora eles andam à procura de uma."
Antes que pudesse processar completamente o que acabara de ler, um riso infantil, agudo e cortante, ecoou repentinamente, como se surgisse das próprias pedras. Não vinha de um ponto fixo; parecia brotar do ar, da terra, como se as paredes respirassem. O som cortante reverberava na sua cabeça, fazendo-a estremecer.
Clara deu um salto para trás, o medo a cravá-la ao chão. O diário escapou-lhe das mãos, caindo com um baque surdo. Desorientada, virou-se para correr — mas o túnel já não estava lá. À sua volta, apenas paredes esbranquiçadas, que pulsavam lentamente com uma luz pálida, crescendo em intensidade como se estivessem a despertar… ou a observá-la.
— Estão por todo o lado! São olhos… olhos dentro das bonecas… a olhar! — a sua voz saiu trêmula, quase um sussurro.
Tentou acalmar-se e voltou a pegar no diário, talvez ali encontrasse uma resposta, uma saída daquele inferno visual que a aterrorizava e que ela queria evitar. Com as mãos trêmulas, Clara abaixou-se e pegou no diário, apoiando-se na parede para se manter firme. Abriu ao calha e leu o texto que tinha à sua frente, uma sensação de doentia a invadiu, e suas palavras saíram quase inaudíveis, como se temesse que o ar à sua volta a estivesse ouvindo. Ela leu em voz baixa, as palavras mais perturbadoras, que pareciam perfurar o seu entendimento:
"O fogo levou-me os corpos, mas não me levou a memória. A carne queimou, sim, mas os ossos falavam nos meus sonhos. Vi os olhos dela no escuro. Ouvi o riso das crianças entre os ecos da serra. Se o Criador moldou o homem do barro, por que não posso moldar a vida da cera e do osso?
A primeira tentativa falhou.
A segunda gritou durante sete dias.
A terceira... olhou para mim. Sorriu. Ela recordava."
Fechou o diário com violência e atirou-o para um canto. Não queria desviar o olhar e ver o que acontecia à sua volta. As paredes tomavam outra forma, focou os olhos na capa do diário. Reconheceu, finalmente, as iniciais gravadas a fogo.
— E.M… Eduardo de Montemor.
Lágrimas surgiram em seus olhos e desceram pela face branca de horror, como se o nome que acabara de pronunciar carregasse um peso antigo e amaldiçoado. Aquelas palavras fizeram-na lembrar algo que lera em um jornal antigo na casa que haviam alugado, um relato que parecia quase irreconhecível no contexto atual: o fogo, as mortes, o desaparecimento misterioso de Eduardo de Montemor...
"Um aristocrata do século XIX. Um homem rico, obcecado por mecânica... e espiritismo. Sua esposa e filhos morreram num incêndio. Ele desapareceu sem deixar vestígios. Diz-se que enlouqueceu... que construiu uma nova casa... subterrânea."
— Este lugar? — A pergunta escapou-lhe num sussurro, e por um instante, pareceu-lhe que o próprio ar a devolvia, como um eco contido à espera de ser libertado.
Sim. O símbolo à entrada... aquela frase gravada no chão da cripta... Não era decoração. Não era acaso. Era um aviso. Não para os curiosos, nem para os tolos — mas para os vivos. Um lembrete de que há lugares onde os vivos não deviam pôr os pés. Porque os mortos… ainda os guardam.
E no fundo da sua mente, as palavras da velha mulher voltavam com clareza lancinante:
“Os filhos de boneca não têm alma. Precisam de alguém.”
No laboratório, Martim levantou os olhos, o olhar vazio, como se estivesse em transe. Os seus lábios curvavam-se num sorriso sem motivo, uma expressão que não alcançava os seus olhos.
— Ela está lá! A mãe! Está à minha espera.
Nada na expressão de Martim fazia sentido. Os seus olhos estavam fixos num ponto distante, como se ele visse algo que só ele poderia aceitar existir.
— Sim, a minha mãe. Ela regressou.
Martim, como em transe, começou a andar. Os lábios murmuravam nomes de crianças — nomes que ninguém reconhecia, nomes antigos. ‘Constança, Valentina, Serafim…’. As palavras arrastavam-se como uma canção perdida: ‘A menina do rei, que estava a brincar, foi-se esconder, e nunca mais voltou a cantar.’ Nomes e versos que faziam eco das crianças do passado, agora apenas murmúrios sem rosto, como se o tempo as tivesse tragado sem deixar vestígios.
Caminhava com passos lentos, quase mecânicos, como se obedecesse a uma ordem inaudível. À saída do laboratório, os túneis tinham regressado à sua configuração inicial — como se o espaço se tivesse reordenado em silêncio —, e Martim seguia em direção ao salão, guiado por algo que apenas ele parecia escutar.
Então o grito de Rita ecoou do salão, cortando o ar como uma lâmina.
Uma boneca estava presa ao pescoço de Rita. Quase de estatura igual à dela. Era feita de porcelana gasta, coberta por fios de cobre e músculos tensos de tendões secos.
Martim, que entretanto tinha chegado também ao salão, olhou a cena… e sorriu. Mas algo estava errado com aquele sorriso. O rosto já não era bem o dele — parecia mais liso, mais rígido, como se a pele estivesse a endurecer por dentro, transformando-se em algo semelhante a cerâmica viva.
— Não a magoe! É a mãe! — disse ele, com devoção absurda.
— Martim, por amor de Deus, ajuda-me! — gritava Rita, lutando com a criatura presa ao seu corpo.
Martim movia-se agora de forma disforme. A cada passo, os ossos estalavam como madeira seca. Os olhos já não piscavam. Estavam abertos, fixos, duros como vidro.
— Ela precisa de ti, Rita. Liberta-te de lutar... sim...
— Martim… volta. Por favor. — suplicou Rita, sufocada, em luta constante, enquanto a boneca tentava abraçá-la com mais força.
— Ela disse que eu posso voltar ao seu colo hoje. E eu quero tanto! — disse Martim, com uma alegria incompreensível, que mais parecia uma obsessão.
E então, num som seco e absurdo, Martim deslocou o ombro, como quem se ajusta a um molde invisível. Continuou a sorrir enquanto arrancava um dos braços — como se aquilo fosse necessário para completar a sua transformação.
Rita gritava. Mas ninguém respondia ao seu pedido de ajuda.
Nuno já não existia. No seu lugar, restava apenas uma amálgama de corpos de porcelana branca, entrelaçados de forma grotesca, como se a sua essência tivesse sido consumida, substituída por uma substância fria e vazia.
Os manequins e bonecas na piscina escalavam as bordas e saíam, guiados por cordas antigas que surgiam do chão — como marionetas puxadas de dentro da terra. Alguns vinham sem membros, outros sem olhos… mas moviam-se mesmo assim, obedecendo a uma vontade subterrânea.
A câmara de filmar de Martim, esquecida no degrau da escadaria, parecia ter recobrado a funcionalidade e agora gravava a cena, a luz piloto piscando freneticamente. De repente, um vulto imenso surgiu ao lado da escadaria, perto da porta que dava para a piscina. Era alto, com braços longos e desproporcionais. O corpo, branco como porcelana, como ossos calcificados, refletia a luz fraca, criando um contraste perturbador no ambiente. Ao seu lado, o que parecia ser uma família de bonecas — um pai e três crianças —, mas totalmente corrompidas, sem qualquer definição anatómica, deformadas e desfiguradas. Atrás deles, entre as sombras e os reposteiros em podridão, acumulavam-se manequins desarticulados, que emergiam da piscina em direção à figura. Sem cabeças, mas com olhos fixos, sem bocas, apenas buracos escuros e vazios. Subiam da água em silêncio. Dezenas. Talvez centenas.
Rita já não conseguia distinguir o que era real e o que era delírio. O salão estava agora cheio de figuras grotescas, bonecas — algumas vestidas com trapos, outras com vestidos de gala, como se tivessem vindo de um baile decrépito perdido no tempo. Mas o mais aterrador era a impotência que sentia e o distanciamento dos seus amigos, já alienados, a ponto de ela não poder ajudá-los nem ser ajudada por eles.
No meio da luta desesperada com a boneca-mãe, tambem ela completamente deformada e desfigurada, ela viu Nuno a ser arrastado pelas bonecas em direção à porta que levava à piscina.
— Quem é aquele…? Meu Deus, quem é aquele? — pensou, os olhos fixos no vulto alto no outro extremo do salão.
Martim estava agora quase totalmente transformado. A pele adquirira uma rigidez doentia, fria como mármore. Os seus movimentos possuíam uma estranha mecânica — como se cordas invisíveis o puxassem por dentro, moldando-o a cada instante. As mãos de Martim, que antes eram humanas, agora estavam lentamente sendo envoltas pela porcelana, a pele transformando-se numa superfície fria e quebradiça, com falhas que se alinhavam como peças de um puzzle torturado. A transformação parecia lenta, mas inevitável, como se a própria matéria estivesse cedendo à força invisível que o dominava, selando-o, pedaço por pedaço, na forma que nunca deveria ter assumido.
Através das fendas, ainda era possível ver a carne viva pulsando, os ossos finos como agulhas, e… um líquido branco e viscoso. Este escorria das veias rompidas, endurecendo instantaneamente em porcelana, formando a nova pele de Martim.
Aproximou-se de Rita. A voz dele era agora uma mistura perturbadora de gesso a rachar, e uma melodia infantil saía da sua boca, quase sem que movesse os lábios já petrificados. Cantava uma canção que, embora se assemelhasse a uma simples cantiga infantil, soava de forma macabra, como se cada palavra carregasse um peso sombrio:
— A menina do rei,
Que estava a brincar,
Foi-se esconder,
E nunca mais voltou a cantar.
— O Guardião de Porcelana não te dixará partir. Eu sou um deles agora. E tu também serás, Rita.
— O Guardião de Porcelana? — murmurou Rita, olhando fixamente para o amigo, mas não obteve resposta — nem dele, nem de mais ninguém. Enquanto lutava para se libertar do abraço da boneca, que já quase tomava conta do seu corpo, o olhar de Rita se voltou, involuntariamente, para o vulto branco que pairava ao longe.
O ar ao seu redor gelou de forma insuportável, como se a própria atmosfera tivesse se tornado um peso mortal. Tentou gritar, mas a sua voz se perdeu, engolida pelo silêncio sufocante. Uma pressão crescente esmagava o seu peito, como se estivesse sendo lentamente devorada por uma força invisível e implacável. E então, num momento de clareza aterradora, lembrou-se das palavras da velha:
“Os filhos de boneca não têm alma. Precisam de alguém…”
A frase repetia-se, cada vez mais alta, como um eco dentro do seu crânio.
Ela era esse “alguém”.
A nova boneca-mãe.
E já era tarde demais.
Rita largou o corpo. Deixou de resistir. E entregou-se por completo.
— Sim, meu amor… voltei para ti — murmurou, como últimas palavras, antes de deixar de ser.
Lá fora, o céu já se afundava num azul profundo, quase negro. A floresta parecia ignorar o horror que se consumia no interior daquela casa, mas as árvores… as árvores continuavam a balançar. Lentamente. Como se estivessem vivas. Como se respirassem. A floresta pulsava com uma energia antiga, primitiva, que atravessava o tempo.
Clara estava agora completamente às escuras, o seu telemóvel já não poderia dar-lhe a luz que a ajudasse a suportar a situação em que se encontrava. Lembrou-se de gritar pelos amigos, embora no fundo soubesse que não obteria resposta de nenhum deles. Mesmo assim, chamou…
— Martim?!
— Rita?!
— Nuno?!
Uma voz lamacenta, fria, carregada de algo que não era deste mundo soou no escuro. Clara gelou.
— Depois de ti… não restará mais nada. Nada, Clara. Todos bonecas, com as vossas almas. És a última, Clara…
— A última? — repetiu mentalmente. A última o quê? Estaria prestes a tornar-se mais uma daquelas bonecas no salão? Como...?
Saiu daquele torpor e levantou-se, começando a apalpar à procura de uma saída, qualquer coisa... Ali, não havia tempo. Apenas o som abafado dos seus próprios batimentos cardíacos… e, ao longe, o farfalhar de algo que se movia na escuridão. Como folhas agitadas por um vento que não existia.
As mãos apalparam as paredes — frias, lisas, como se tivessem sido polidas por séculos de esquecimento.
Na ausência total de luz, imagens começaram a surgir-lhe na mente como visões febris. Onde estavam os amigos? Tinham sido levados? Transformados?
E, então, viu, sem saber se era realidade ou fruto da sua mente transtornada. Martim?
Martim estava completamente transformado. O rosto era uma máscara imutável, de porcelana fria, mas disse num tom doce:
— Agora somos todos a nova família Montemor, vem Clara. Estamos a tua espera.
Ela sufocou um soluço. Arrastou-se pela escuridão, guiada apenas pelo instinto, pela necessidade de escapar. Até que, ao longe, assim lhe parecia, surgiu um ponto. Um círculo de luz ténue, como uma abertura no ventre da terra.
Arrastou-se, aos tropeços em coisas que não conseguia reconhecer, e dirigiu-se para aquela luz. Era tudo o que lhe restava. Mesmo no fundo daquela prisão esquecida, Clara sentiu algo despertar dentro de si. Um resquício de vida. Uma centelha de quem tinha sido. Se existisse uma saída, uma única hipótese de saída, teria de encontrá-la agora. Antes que o que restava da sua humanidade se apagasse.
E foi com esse pensamento que, tateando, com os olhos a arder e o coração em tumulto, ela viu que aquela luz ténue estava logo ali, à distância de um braço — uma abertura, um círculo perfeito, perfeito demais para ser natural. Mas nem isso alterou a sua esperança: uma saída. Finalmente.
Clara esticou os braços em direção à luz fraca, crente de que tinha finalmente encontrado a saída. Os dedos tremiam enquanto apalpavam o invisível… mas algo os deteve. Uma força misteriosa, silenciosa e inquebrável. Era como se um vidro invisível se interpusesse entre ela e a liberdade.
O coração apertou-se-lhe no peito. Encostou o rosto à superfície fria e translúcida, e foi então que viu — com os olhos bem abertos, dilatados pelo terror — aquilo que existia lá fora, iluminado apenas pelos últimos vestígios do entardecer.
Árvores colossais balançavam ao vento como pilares de um templo antigo. A erva crescia como uma selva, atingindo a altura de árvores. E os insectos nocturnos que ali sobreviviam… criaturas grotescas, com olhos compostos como espelhos partidos, eram maiores do que ela própria. O mundo lá fora era desproporcionado, distorcido, como se tivesse agigantado… ou como se ela tivesse sido transformada em algo pequeno demais para aquele mundo.
E então, um som abafado. Pesado.
Um pé imenso pousou do lado de fora, bem perto dela com um estalo surdo. Um pé com meia de lã preta e calçado com socos puídos. Clara ergueu os olhos, e o sangue gelou-lhe nas veias.
A velha.
Lá do alto, como uma entidade impossível, maior do que qualquer ser humano deveria ser, a velha olhava para ela. Sem expressão. Sem pressa. Um olhar que atravessava os séculos. Um olhar de quem observa o ciclo repetir-se… mais uma vez.
Clara sentiu-se presa, minúscula. E foi nesse instante que percebeu.
Eles estavam todos dentro do ciclo. Rita. Nuno. Martim. E ela.
Aprisionados. Condenados a reviver os mesmos horrores, numa cadeia interminável de almas consumidas por uma magia negra ancestral. Suas essências moldadas, torcidas, costuradas à força dentro de corpos de porcelana, madeira e tecido, vivendo dentro das bonecas… para sempre. Sem voz. Sem descanso.
A velha inclinou-se uma última vez, os olhos afundados a brilhar com um fulgor doentio. Depois, afastou-se. Lentamente. Como se não tivesse pressa de chegar a lugar algum, com o cão atrás dela, o rabo a abanar. E desapareceu na escuridão pulsante da mata, e da noite que caía, deixando aquela pequena boneca de porcelana meio enterrada na terra.
Clara encostou a testa ao que agora sabia ser o vidro de um olho de boneca. Uma certeza a invadiu, a certeza de que o ciclo nunca tinha começado com eles — e, muito menos, terminaria ali.
FIM (ou talvez não)
Pintura da família de Eduardo de Montemor, finalizada dias antes do desastre ocorrido em 1891.
"A Ordem de Mariz é uma sociedade mística e esotérica de caráter ocultista, que remonta aos tempos antigos, com rituais e ensinamentos secretos voltados para a preservação do saber espiritual e a proteção das almas. Fundada por um grupo de visionários, a ordem dedica-se ao estudo de geometrias sagradas, cabala hermética e práticas que buscam a salvação da alma através do conhecimento oculto e da conexão com forças cósmicas"
A descrição que fornecida sobre a Ordem de Mariz — uma sociedade mística e esotérica com rituais secretos, dedicada ao estudo de geometrias sagradas, cabala hermética e à preservação do saber espiritual — é uma síntese precisa dos temas abordados na obra de Vítor Manuel Adrião, particularmente em seu livro A Ordem de Mariz: Iniciação e Segredo .
No entanto, é importante notar que, embora a Ordem de Mariz seja apresentada com uma aura de mistério e profundidade espiritual, não há evidências históricas que comprovem a sua existência como uma organização esotérica real. A Ordem de Mariz parece ser uma construção literária e simbólica, criada por Adrião para explorar conceitos esotéricos e espirituais, sem uma base factual ou histórica comprovada.
Portanto, ao utilizar o nome "Mariz" no contexto da desta narrativa, estou a fazer referência a uma construção simbólica e esotérica que carrega consigo uma rica carga de mistério e profundidade espiritual, sem implicações legais ou históricas associadas.
Lusophia – Vítor Manuel Adrião
Blog com artigos e publicações sobre a Ordem de Mariz e outros temas esotéricos.
Serra Sagrada – A Ordem de Mariz, por Paulo Andrade
Artigo que explora as origens e simbologia da Ordem de Mariz.
BNP – Biblioteca Nacional de Portugal
Catálogo com registo da obra "Ordem de Mariz, iniciação e segredo" de Vítor Manuel Adrião.
Facebook – Ordem de Mariz
Página oficial com informações e atualizações sobre a Ordem de Mariz.
Scribd – Excerto da obra "Ordem de Mariz"
Documento com excertos de livros e artigos sobre a Ordem de Mariz.
YouTube – Vídeo sobre a Ordem de Mariz com Nuno Ferreira Gonçalves
Discussão sobre os mistérios e a história da Ordem de Mariz.
Blog Espiritismo e Esoterismo
Artigo sobre sociedades secretas e a Ordem de Mariz no contexto do esoterismo português.
O Tritão é um monstro mitológico meio homem, meio peixe. Tal como o monstro, o pórtico onde se insere está dividido entre os mundos aquático e terrestre. O mundo aquático encontra-se no piso inferior: o arco neogótico é decorado com corais que suportam três conchas, numa das quais se senta o Tritão. Em cima passamos para o mundo terrestre, como se vê pela árvore que nasce da cabeça do Tritão, enquadrada por videiras que revestem toda a janela saliente que o monstro parece suportar.
Sobre o Tritão (Escultura do Palácio da Pena)
(descrição oficial da figura mítica que guarda o pórtico principal)
Wikipedia – Tritão do Palácio da Pena
(secção sobre o Pórtico do Tritão no artigo geral sobre o Palácio)
Artigos e Ensaios – A Simbologia do Tritão no Palácio da Pena
(análise simbólica e mitológica da figura)
Site Oficial Parques de Sintra – Palácio Nacional da Pena
(informações históricas, visitas, curiosidades)
Wikipedia – Palácio Nacional da Pena
(artigo completo sobre a história, arquitectura e importância cultural)
Património Cultural – Palácio da Pena
(entrada no inventário do património cultural português)
Histórias de Portugal – Mistérios e Lendas do Palácio da Pena
(foco em mitos, lendas e mistérios associados ao local)
Um dos habitantes do convento de Santa Cruz ou dos Capuchos, foi Frei Honório, homem de muita fé e de grandes virtudes. Muito estimado e respeitado dos habitantes daquelas redondezas, ali viveu durante trinta anos, sofrendo dolorosa e resignada penitência. Seu corpo jaz na Igreja daquele curioso convento.
Jornal Público – "A lenda do Frei Honório em Sintra"
Câmara Municipal de Sintra – "Lendas de Sintra: Frei Honório"
Portugal Num Mapa – "Frei Honório, o frade que desafiou a serra"
Blog Sintra Romântica – "Mistérios e Lendas: Frei Honório"
Histórias de Portugal – "A trágica história de Frei Honório em Sintra"
O Convento dos Capuchos, também conhecido como Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra, é um antigo convento franciscano conhecido pela sua simplicidade e austeridade, construído no século XVI. Localizado na Serra de Sintra, Portugal, o convento foi edificado em cumprimento de um voto e é um exemplo da religiosidade pietista da época.
Parques de Sintra – Convento dos Capuchos
Wikipedia – Convento dos Capuchos
Direção-Geral do Património Cultural – Convento dos Capuchos
Visit Portugal – Convento dos Capuchos
Sintra Romântica – História e Curiosidades sobre o Convento dos Capuchos
A "Pedra de Kurat", localizada em Sintra, Portugal, é um local de interesse histórico e esotérico, frequentemente associado a uma interpretação iniciática e esotérica. A pedra é notável pela presença de petroglifos e símbolos, que alguns interpretam como símbolos do Alfabeto Assúrico ou Vatan, a língua sagrada de Agharta. A sua estrutura, com 17 símbolos sobrepostos em três fileiras, é também vista como representando o Arcano Menor "O Assessoramento", ou "Rei de Espadas", e o Chefe dos Tributários, Akdorge.
A “Pedra Santa de Kurat” (Sintra).
Interpretação iniciática, histórica, linguística e epigráfica – Por Vitor Manuel Adrião
A obsidiana é um vidro vulcânico formado na fase final de uma erupção e que pode apresentar várias tonalidades. Não é um mineral, uma vez que a sua estrutura não é cristalina. Aqui estão os segredos deste vidro vulcânico, muito procurado na pré-história, especialmente na bacia do Mediterrâneo e o seu lado místico.
Sobre a Obsidiana (características geológicas)
Wikipédia – Obsidiana
Geology.com – What is Obsidian?
Britannica – Obsidian (volcanic glass)
Propriedades místicas da Obsidiana
WeMystic Portugal – Significado e propriedades da Obsidiana
Significado das Pedras – Obsidiana
Espaço Místico – Obsidiana: Propriedades e Significados
Nas profundezas do oculto, onde o espaço e o tempo se torcem em formas incompreensíveis, existe um reino que desafia os limites da percepção humana: o Abismo de Klippoth. Para os iniciados na Cabala, este é o vazio primordial, o reflexo distorcido da Árvore da Vida, onde as forças caóticas e destrutivas dançam numa eterna espiral de escuridão. Klippoth não é apenas um local, mas uma condição, uma essência que permeia tudo o que é negativo, uma antítese da criação. Neste abismo, as leis que regem a realidade se quebram, criando um espaço onde a luz se dissolve e as sombras ganham forma.
Os que se aventuram por esses domínios sombrios enfrentam mais do que uma simples jornada através do desconhecido. O Abismo de Klippoth é um espelho da psique humana, refletindo os medos mais profundos, os desejos ocultos e os fragmentos de uma verdade que ninguém ousa encarar. Quem ousar explorar seus confins estará não apenas a navegar por um espaço físico, mas a mergulhar na própria essência do mal e do vazio, onde cada passo adiante é uma ameaça ao equilíbrio da própria alma.
Aqueles que tentam compreender o Abismo correm o risco de se perder em suas profundezas, onde a sanidade e a razão são subjugadas pelas forças caóticas que ali habitam. Mas também, e talvez por isso, são muitos os que, na busca pelo poder absoluto ou pela salvação, tentam atravessar essa linha tênue entre o conhecimento e a perdição, desafiando as leis que governam o cosmos em uma tentativa de controlar aquilo que não pode ser controlado.
O Abismo de Klippoth, em sua natureza, é o lugar onde o fim e o começo se encontram, onde as almas se fragmentam e as realidades se distorcem. É a escuridão que todos temem e, ainda assim, que todos desejam entender.
Wikipedia – Kelipót
Sabiduría.es – Los Qlippoth según la Kabbalah
Guía de Arbolado – El Árbol de la Muerte: Qliphoth y su significado en la Cábala
Os Sete Guardiões são figuras míticas e poderosas, frequentemente presentes em tradições esotéricas, mitologias antigas e histórias de ocultismo. Representando forças protetoras, esses seres misteriosos guardam portais, segredos e conhecimentos profundos que transcendem o mundo material. Seja no contexto da Cabala, da mitologia grega ou da magia cerimonial, os Sete Guardiões estão associados ao equilíbrio cósmico, protegendo o acesso a esferas espirituais e a saberes arcanos. Cada um desses guardiões é incumbido de uma responsabilidade única, mantendo a harmonia entre os mundos e desafiando aqueles que se aventuram além dos limites do conhecido. No ocultismo, eles simbolizam os limites entre o visível e o invisível, entre a luz e as sombras, sendo uma presença constante em jornadas místicas e espirituais.
Cabala e Esoterismo
Cabala – Wikipédia
Visão geral sobre a Cabala, incluindo aspectos místicos e esotéricos.
Academia de Cabala Ancestral – Formação: Os Guardiões dos Arquétipos da Cabala Ancestral
Curso que aborda os arquétipos e guardiões na Cabala Ancestral.
O Selo dos 7 Arcanjos: conheça o poder desse símbolo
Discussão sobre os sete arcanjos e seus significados.
Magia Cerimonial e Espiritismo
Ceremonial magic – Wikipedia
Artigo em inglês sobre magia cerimonial, abordando rituais e práticas associadas.
O Espiritismo, A Magia e As Sete Linhas de Umbanda
Texto que explora as práticas espirituais e mágicas dentro da Umbanda.
Mitologia e Cultura Popular
Sete Deuses da Sorte – Wikipédia
Informações sobre os sete deuses da sorte na mitologia japonesa.
Os sete príncipes do inferno – Wikipédia
Artigo sobre os sete príncipes do inferno, associados aos pecados capitais.
Entenda a história de 'O Sétimo Guardião'
Análise da novela brasileira que aborda sete guardiões místicos.
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