Regresso

Apareceu com um pedaço de sorriso a escorrer dos lábios e o beijo de uma lágrima de lenta alegria. Tinha percorrido um campo lavrado de promessas absurdas, sobrevivido à dor serena do desconhecido.
Assombrara-se com os gigantes arquitectónicos e espelhados que se reflectiam entre si, arrogantes na sua serenidade. A cidade prometera absorvê-lo para as suas hostes de alienados — sobreviventes de túneis, becos e esquinas — mas ele estava perdido nos próprios despojos da ansiedade. A insaciável certeza de que o todo sabia a pouco.
Agora apresentava-se perante a luz da estrada segura, onde os passos em frente torturavam um futuro poeirento de rostos estafados. As amarras não apodreciam, mesmo depois de mil prazeres vividos e lonjuras de destinos.
Estava de novo em casa, deitado sobre a velha cama. Lá fora, o vento roçava violento e a chuva explodia nas telhas. Perguntava-se se o poder se resumia àquela débil amostra. Os seus desejos pareciam imensuráveis diante da escassa vontade de destruição revelada por uma natureza que apenas se exige para serenar os dedos frenéticos da alma.
O medo distraía de outras dores…
E voltava a exaltação que nunca morria. A tentativa constante de adormecer sobre uma almofada repleta de fomes, como um velho avarento que num saco de espuma acumula todos os seus tesouros.
O querer adormecer um coração que se petrificava, marco final de uma verdadeira desilusão. Uma metamorfose pacífica.
E, nesse reflexo, o sorriso desvaneceu no espelho da sua condição.
Afinal, regressava ao ponto de partida.
E toda a quimera não fora senão a confirmação da sua própria loucura, que o esgotava onde quer que estivesse.

O marinheiro


Ilustração semeada e colhida no Adobe Firefly

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