Entre o cansaço e a vertigem, os poemas de Onde a Pedra Respira capturam o instante em que o peso do ser se torna quase insuportável — e, ainda assim, pulsa. Gota a gota, pedra a pedra, nasce uma linguagem da resistência silenciosa: um murmúrio contra a pressa, uma confissão sem esperança, um eco que insiste em respirar no vazio. Uma viagem lírica por charcos de tristeza, ventos de ferro e festas de máscaras, onde o amor e o desespero dançam até ao fim da música.
Silêncio...
O perfume do vento,
a sombra de um lamento,
o eco de um olhar,
no teu silêncio.
Meu grito amordaçado,
um beijo a fugir,
tão perto o mar,
e tudo tão sufocado,
no silêncio que de ti posso ouvir.
Veio cedo,
veio cedo,
impaciente,
trespassando razões,
sublinhando medos.
Veio cedo, irmão,
que fosse eu
o que, nessa balsa,
dormisse
a paz infinita.
Piano negro a voar,
cruz de ferro a arder,
corpo de pedra a gritar,
vento frio a doer.
Corda de sangue no ar,
mulher nua a sofrer,
pássaros rastejam no chão,
sangue e pedra a ferver.
Cobras e cheiro a multidão,
céu vermelho a berrar,
deuses e feras a chorar,
flor do campo a sofrer.
Cães que ladram no mar,
ondas de pedra a rebentar,
vidros partidos por terra,
lâminas doces da serra.
Nuvens negras a morrer,
ácidos e sádicos a chover,
jardim de pedra a rachar,
dançam fantasmas na rua.
Há música de chacais no ar,
caem machados em carne nua,
animais nascem do chão,
abutres negros no meu coração.
Qual o meu papel
neste cenário cruel,
onde cai o pano da vida,
impotência à despedida?
A esperança
que me deixaste
de herança,
seca-me os lábios.
E gasto na ferida
a última saliva
que me resta.
Não tive tempo
de gastar as asas
que se abriram na minha vontade.
Meus olhos reagem,
mas só arrasto pedra.
Que faço eu ao meu desejo,
que todas as noites se veste
para uma festa de máscaras,
e embuçado de amor,
recusa dançar?
Que passos dar neste fervor,
onde a dor espreita
a cada esquina ignorada?
E tu, cidade livre,
que me soltas demais,
no meu âmago, carrasco!
Porque não me agarras
com as tuas unhas de gozo,
de indolente ternura,
na aventura que me ofereces?
Porque não me recrutas
para as tuas hostes de loucos
que dormem nas tuas veias?
Petrifica-me na tua arquitectura
desmesurada de homens,
para que a alma se desapegue
de ser.
nasci de boca aberta
devorando o mundo
insaciável da luz e do lodo
do todo o tudo
do mínimo abismo
do maior pecado:
tresloucado lúcido
em combustão
assim me reconheço
— matéria a arder
Gota...
ping...
gota...
ping...
gota...
ping...
ping...
O charco que formo
(e nesta monotonia não me conformo)
é de tristeza.
Em mim
és tudo.
A mais pequena
migalha
do que és
em mim
é viver —
é ter razão para o fazer.
Em mim
és tudo.
A mais pequena
migalha
do que és,
em mim
é viver —
e ter razão para existir.
Já não luto mais
neste combate de titãs,
feroz e cego,
contra a paz
que me impões.
Devora alma e corpo,
que te entrego numa bandeja cega.
Devora o que fui, o que sou, o que serei,
devora este segundo
como o único tempo possível.
Agora, descansa,
na alegria do zénite,
na paz que se alcança,
na plenitude da existência.
Depois, sai.
Já não há adeus entre nós.
Dói-me este tempo, este espaço,
esta cativa presença imperfeita.
Não sei em que pétala me desfaço,
nem onde a morte me rejeita.
Sossega-me,
inteiro agora,
abandona-me mar fora,
ri-te em meus lábios amantes.
Sossega-me,
que nem o fogo solar
se garante a arder,
nem o eterno posso guardar.
Estar em tudo,
num sereno desespero,
pertencer ao bando
dos eternos insaciáveis,
explodir de saudade
a cada grão encontrado
no areal da vida.
Ajoelhar-me a cada cor,
emparedada na liberdade
da aventura sonhada,
ser homem, mais nada.
Sabes a fim de tarde,
açúcar de verão,
vento salgado
entre o agre e o doce
de um beijo prolongado.
Perfil de mulher,
lúbricas colinas
e luas quentes,
quando adormeces
sobre meu corpo,
no teu mistério,
amarelo eterno,
e luz sensual.
Estremeço de prazer,
acaricio-te o corpo,
onde se esboçam encontros,
acertos de riso e fé,
onde a saudade se acerva.
Lembro-me dos teus passos a sorrir,
prenúncio de dor definida,
noir souvenir.
Sossega, poeta, sossega...
também tu estás de partida,
ao coração nada se nega.
Dei o teu nome à noite
A mais de mil e tantas,
espero-te sempre à porta do sonho.
Mordo os lábios,
para não fechar os olhos
e te ver entrar, nua de ilusões.
Mas as noites são muitas,
e eu, tão pouco.
nada se promete,
tudo se consome.
em vão me entrego à terra,
porque ao mar já pertenço —
e em ti, amor,
dissolvi-me por completo.
essa tua
neutralidade de cidade
aconchega-me
ao desejo de amante
quanto mais longe, mais cativo
em ti procuro
acorrentar-me
mas ao longe
acena-me
o sorriso
de quem sou escravo
nem que as armas
me atropelassem a razão
nesta guerra infame
a favor do desespero
hei de resistir
e contar mais um dia —
leve,
iluminado,
nesta paz tão frágil
fazer amor
como quem rouba as asas
de um anjo extraviado,
e subir — alto —
até onde o desejo
se consome
no próprio fogo.
morri
cavalo branco,
crinas de ouro,
cão abandonado,
atropelo de tristeza,
flor desesperada,
húmus de plástico.
nasci
homem sonhador,
cativo do amor.
sempre longe,
matar a sede do impossível,
miragem eterna,
incansável,
perfeita,
areia...
e eu, deserto,
o vazio e o tempo
entre nós, e o meu espaço,
tresloucado,
repleto,
afogado em ti.
deserto de vida,
e eu,
oásis de ti,
e nada.
a tua imagem
assemelha-se
ao ar que respiro,
invisível.
A tua silhueta
desvanece, feito fumo,
ao último sopro
de uma paixão
que morre,
felizmente,
nas cinzas
de uma esperança
carbonizada
pelo teu egoísmo.
Te sepultarei,
definitivamente,
e por cima
dessa cova de ódio,
a cruz que carreguei
por amor.
jamais voltarei
a despojar-me da minha vontade,
nem por amor, nem por tudo,
nem por ti, nem pelos deuses
que se riem da minha ignorância.
Jamais voltarei à paisagem que devorei
com apetite,
onde te penetrei, despido de medo,
vestido de verdade e desejo,
e me perfumei de mentira.
Jamais me verás de novo a guardar sorrisos,
para que à noite
tos oferecesse em bandeja de sacrifício,
pelo desespero do incerto.
Jamais prenunciarás o meu nome,
sem que o ódio sublinhe a memória,
a mesma que apagas agora,
e novas escrevas com facas quentes,
neste peito que se fechou para sempre de ti.
quero
esgotar-me de ti,
meu anjo putrefacto,
corrupção de ilusões,
desassossego de húmus,
pena do mundo,
do teu imundo prazer.
Mores-me nas veias
e urino o nojento sentido
que te dei.
Sou a verdade da vida,
prova da tua cruel existência.
Deixa-me respirar
o teu sopro,
indiferente e automático.
Deixa-me,
para que me sinta repleto
de ti.
E deixa-me amar
livremente
o que representas,
para que me sinta livre
de ti.
Quero-te
mulher assim,
construída
em tijolos de suor e transparência,
casa edificada
pela indiferença do mundo,
que, em teu mundo,
palácio se forma
e hoje se contempla.
Rasuras-te o meu espírito com inconstâncias,
essas mesmas que me fazem absorver
o teu mínimo gesto.
Cada caule de ti nasce um espinho,
cada áspera resposta
que me faqueia a alma.
As tuas ruas são difíceis de cruzar,
mas valem uma vida a cada travessia.
Respiro o ar das facas que corta a carne a cada sopro,
rasga a alma a cada suspiro.
Em prol dos homens
que preferem a poesia das coisas,
a adivinhar o logro da vida,
vou empalando a esperança
na minha existência vertical e única.
Entrei,
deixei o medo
do lado de fora.
Fechei a porta,
cá dentro,
ouço sorrisos de mel.
Procuro os teus olhos,
que prometem coisas absurdas.
Procuro-te,
pois sempre te procuro
quando me deixo
do lado de fora,
e sempre te encontro.
Sou papel
que rasgas,
o lápis que aparas.
Esse ser,
em tudo que sentes,
ou nada sou,
se recusar
esta arrogante forma
de te ser.
Um sabor nostálgico
nestes lábios sedentos,
vejo-te água
por toda a parte.
Se vens,
ganho o sentido do náufrago
nas tuas mãos marítimas.
Se partes,
guio-me à luz
de uma saudade distante.
A rocha
onde me destroço
é a tua ausência.
Bebe-me,
e a cada trago,
uma certeza
ante a tua sede
insaciável.
Maior a minha vontade,
de nascente.
Uma luz cálida ilumina o teu rosto,
tatuado na minha existência.
A ternura imensa entre os lábios,
um espaço nosso, universalmente nosso,
meigo e transpirado.
Desejo-te, adormecida no meu colo,
acariciar milimetricamente o teu corpo
e habitar-te em todos os poros.
Acordar o dia com o teu sorriso maroto,
e, num grito desesperado de eternidade,
petrificar o momento em lençóis.
Viver a ternura num passeio
sem margens, num rio qualquer,
sem fim — e o mar em mim.
Morar em ti,
vontade de ti,
da ternura infinita...
Satisfazer as tuas vontades
sem o limite estúpido dos homens,
estás em tudo,
neste sereno desespero.
Coragem
Dizes-me, mãe, ao telefone,
com esse sorriso eterno de alento,
quando tu, sim,
és a esfinge dessa coragem.
E eu respondo-te
com o sorriso carente do teu.
Sim, mãe, coragem…
Ter arrojo para viver,
ter audácia para morrer,
sinónimos para a mesma falta.
Riremos da raiva dos deuses,
quando rasgarem as suas vestes,
cravejadas de horizontes,
ante este amor incorruptível,
nesta vontade de amar até ao infinito.
Se construirão palácios de felicidade,
jardins de prazer,
longe do homem,
perto de todos.
Cinco minutos de tudo...
paredes de verdade,
janelas de beleza,
portas de liberdade.
Que este amor
seja a derradeira afronta
aos deuses
que nos querem abandonar.
a chuva fria que não molha,
a fantasia da intimidade,
o som doce de um disco partido,
o pão bolorento que sabe a mel,
a amálgama luxuriante
das belezas imperfeitas.
Entalei a minha liberdade
entre as tuas paredes nuas.
Colori o teu chão
de confiança
e carne.
Fendi-te ao primeiro pedaço
que te anunciei.
Adeus, minha casa.
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